As Secretas Conferências de Quebec: Codinome Quadrant


As Conferências de Quebec, codinome Quadrant, foram um conjunto de reuniões altamente secretas realizadas durante a Segunda Guerra Mundial entre os líderes dos Aliados, principalmente Winston Churchill e Franklin D. Roosevelt. Estas conferências ocorreram em Quebec, Canadá, a convite do primeiro ministro canadense, William Mackenzie King, em duas ocasiões, em 1943 e 1944, e foram cruciais para a formulação das estratégias militares e políticas que acabariam por conduzir à vitória dos Aliados sobre as Potências do Eixo. Neste texto, exploraremos a conjuntura histórica da época, os motivos para as conferências, os desfechos, as consequências e as personagens envolvidas, bem como a importância dessas reuniões no contexto da guerra. De acordo com o historiador Antony Beevor:

"Em agosto, Churchill, Roosevelt e seus chefes de Estados-Maiores se reuniram novamente, desta vez em Quebec, para a conferência Quadrant, organizada pelo primeiro ministro canadense William Mackenzie King. Alguns dias antes Churchill havia debatido com Roosevelt a questão do projeto da bomba atômica. Os americanos haviam tentado excluir os britânicos da pesquisa, conhecida como “Tube Alloys”, mas Churchill convenceu Roosevelt de que ela devia ser um empreendimento conjunto.

Em Quebec, a conferência discutiu a rendição iminente da Itália, após sondagens secretas do general Giuseppe Castellano, emissário de Badoglio, intermediadas por Madri e Lisboa. Tratava-se de uma perspectiva encorajadora. Os campos de pouso italianos poderiam ser usados para bombardear a Alemanha e os campos petrolíferos de Ploesti, como enfatizou o general “Hap” Arnold, comandante da força aérea americana. Mas o entusiasmo britânico com a campanha italiana total para avançar pelo norte da linha do Po não era compartilhado pelos americanos, embora Brooke tenha argumentado enfaticamente que isto levaria as divisões alemãs para longe da frente da Normandia.

Roosevelt e Marshall não queriam que o avanço prosseguisse além de Roma, embora isto significasse deixar as tropas ociosas no país. Com certa razão, eles suspeitavam que os britânicos usariam a campanha italiana para adiar a invasão da França e desviar recursos para o nordeste, na direção dos Bálcãs e da Europa Central. Infelizmente, o modo enfadonho como Churchill abordava a estratégia — ele agora queria invadir Rodes e as ilhas do Dodecaneso para levar a Turquia à guerra — parecia confirmar os seus receios. Marshall insistiu que as sete divisões selecionadas para a invasão da Normandia fossem retiradas da Itália em 1º de novembro, como acordado na conferência Trident.

A invasão da Normandia, agora denominada Operação Overlord, foi fixada para maio de 1944. O tenente-general Sir Frederick Morgan, chefe do Estado-Maior do (ainda não nomeado) comandante supremo dos Aliados, já estava trabalhando nos planos iniciais. Apoiado pelo general Arnold, ele ressaltou a necessidade urgente de enfraquecer a Luftwaffe primeiro. Em três ocasiões Churchill prometera precipitadamente o comando supremo ao general Brooke. Agora, estava diante do fato deque Roosevelt insistia em que um general americano ocupasse o posto, já que os EUA forneceriam a maioria das tropas. Equivocadamente, os americanos pensavam também que Brooke fosse contrário à invasão da França.

Brooke ficou profundamente decepcionado quando Churchill lhe disse que ele não comandaria a Overlord, e nunca se recuperou do golpe. Ficou ainda mais aborrecido ao descobrir que, em privado, Churchill havia acordado que, em troca, o almirante lorde Mountbatten chefiaria o SEAC, o novoComando do Sudeste Asiático. O candidato óbvio para a Overlord parecia ser o general Marshall,embora ele evitasse postular a função.

Em 3 de setembro, Churchill viajou de trem de Quebec a Washington. Chegou a tempo para umdia crucial. O elegante general Castellano, chefe do Estado-Maior de Badoglio, e o chefe do Estado-Maior de Eisenhower, general Bedell Smith, haviam firmado secretamente o armistício italiano após negociações complicadas. Os alemães tinham incrementado as suas forças na Itália para dezesseisdivisões, e os italianos se encontravam compreensivelmente aterrorizados com as represálias germânicas.

No alvorecer daquele dia, tropas britânicas e canadenses desembarcaram perto de Reggio di Calabria. Tinham o apoio de navios de guerra e artilharia no Estreito de Messina, mas os desembarques não foram revidados naquela bela manhã de setembro e o mar estava calmo. Os britânicos a denominaram a “Regata do Estreito de Messina”. Depois houve outros desembarques na ponta da bota italiana e na base naval de Taranto. O almirante Cunningham se arriscou em enviar a 1ª Divisão Aeroterrestre a Taranto em cruzadores da Marinha Real. A esquadra italiana zarpou de Malta para se render, mas a Luftwaffe conseguiu afundar o encouraçado Roma com uma das novasbombas propelidas por foguetes e matou 1.300 marinheiros. [...]" 

(BEEVOR: 2015)

Conjuntura Histórica

A Segunda Guerra Mundial em 1943

Em 1943, a Segunda Guerra Mundial estava em pleno andamento. Após o ataque a Pearl Harbor em dezembro de 1941, os Estados Unidos haviam entrado formalmente no conflito, juntando-se ao Reino Unido e à União Soviética na luta contra a Alemanha nazista, a Itália fascista e o Império do Japão. Em meados de 1943, os Aliados começaram a recuperar o controle de várias frentes de batalha, mas ainda havia grandes desafios a serem enfrentados.

Na Europa, a Batalha de Stalingrado tinha terminado em fevereiro de 1943 com uma derrota devastadora para a Alemanha, marcando um ponto de virada crucial no front oriental. Entretanto, os combates continuavam ferozes e a vitória final ainda parecia distante. No Norte da África, as forças Aliadas haviam conseguido importantes vitórias, culminando com a rendição das forças do Eixo na Tunísia em maio de 1943. A invasão da Sicília em julho de 1943 e a subsequente queda de Mussolini mostraram que os Aliados estavam ganhando terreno, mas a campanha italiana ainda estava longe de ser decidida.

No Pacífico, os Estados Unidos estavam engajados em uma série de batalhas ferozes contra o Japão, incluindo a bem-sucedida Batalha de Midway em 1942, que havia debilitado significativamente a marinha japonesa. No entanto, a guerra no Pacífico exigia um grande esforço logístico e estratégico, e os combates nas ilhas do Pacífico eram intensos e prolongados.

A Necessidade de Coordenação

Dada a complexidade do teatro de guerra global e a diversidade das frentes de batalha, era essencial que os líderes dos Aliados coordenassem suas estratégias de maneira eficaz. Era imperativo alinhar os objetivos militares, econômicos e políticos para garantir a máxima eficiência na utilização de recursos e para evitar desentendimentos que poderiam comprometer o esforço de guerra.

As conferências interaliadas anteriores, como as de Washington (Arcadia) e Casablanca, já haviam estabelecido algumas diretrizes estratégicas, mas a situação em constante mudança exigia novas deliberações. Era neste contexto que as Conferências de Quebec se tornaram cruciais.

 Motivos para as Conferências

Coordenação Estratégica

Um dos principais motivos para as Conferências de Quebec era a necessidade de discutir e coordenar a estratégia militar para o próximo ano de guerra. Havia várias questões importantes a serem abordadas, incluindo:

- A Invasão da Europa Ocidental: 

O planejamento da invasão da França, que ficaria conhecida como Operação Overlord, era uma prioridade absoluta. Os Aliados precisavam decidir sobre a data, os locais de desembarque e a logística dessa operação maciça.

- A Guerra no Pacífico: 

Era necessário discutir a estratégia de “salto de ilha em ilha” que os Estados Unidos estavam utilizando contra o Japão e determinar como os recursos poderiam ser melhor alocados.

- A Frente Italiana: 

Após a invasão da Sicília, os Aliados precisavam decidir sobre a melhor maneira de avançar na península italiana e lidar com as forças alemãs lá presentes.

Questões Políticas e Econômicas

Além das considerações militares, havia importantes questões políticas e econômicas a serem discutidas. Os líderes dos Aliados precisavam assegurar que, após a guerra, seria possível estabelecer uma ordem mundial que evitasse futuros conflitos e promovesse a paz e a prosperidade.

- A Relação com a União Soviética: 

Com a União Soviética desempenhando um papel crucial na frente oriental, era essencial manter uma boa relação com Joseph Stalin e coordenar as ações militares para garantir um esforço de guerra unificado.

- A Reconstrução Pós-Guerra: 

Planejar a reconstrução dos países devastados pela guerra e discutir a formação de organizações internacionais para promover a cooperação e a paz mundial eram questões cruciais.

Desfechos das Conferências de Quebec

A Primeira Conferência de Quebec (Quadrant) - Agosto de 1943:

A primeira Conferência de Quebec, realizada de 17 a 24 de agosto de 1943, foi um marco na coordenação das estratégias dos Aliados. Participaram dela o Primeiro-Ministro britânico Winston Churchill, o Presidente dos Estados Unidos Franklin D. Roosevelt, e altos comandantes militares de ambos os países, como o General George Marshall e o Almirante Ernest King.

Principais Decisões:

- Operação Overlord: 

A conferência resultou na decisão crucial de planejar a invasão da França, marcada para o início de 1944. Ficou decidido que o General Dwight D. Eisenhower seria o Comandante Supremo das Forças Expedicionárias Aliadas.

- A Campanha Italiana:

Os líderes discutiram a continuação da campanha na Itália, incluindo a invasão da península e a luta contra as forças alemãs após a queda de Mussolini.

- A Guerra no Pacífico: 

Foi decidido intensificar as operações contra o Japão, com uma ênfase renovada na estratégia de “salto de ilha em ilha” para avançar gradualmente em direção ao Japão.

Outros Temas Abordados:

- Tecnologia Militar: 

Discussões sobre o desenvolvimento de novas tecnologias militares, incluindo o uso do radar e o projeto Manhattan para o desenvolvimento da bomba atômica.

- Apoio à União Soviética:

Reafirmação do compromisso dos Aliados em apoiar a União Soviética com suprimentos e coordenar ações para aliviar a pressão sobre a frente oriental.

A Segunda Conferência de Quebec (Octagon) - Setembro de 1944

A segunda Conferência de Quebec, realizada de 12 a 16 de setembro de 1944, ocorreu num momento em que os Aliados estavam fazendo progressos significativos na Europa e no Pacífico. As forças Aliadas haviam desembarcado na Normandia em junho de 1944 e estavam avançando pela França, enquanto no Pacífico, os Estados Unidos continuavam a avançar contra as posições japonesas.

Principais Decisões:

- Planejamento do Pós-Guerra:

Um dos principais focos da conferência foi discutir a reconstrução da Europa e a criação de instituições internacionais que garantissem a paz e a cooperação mundial. Foi durante esta conferência que se deram passos importantes para a criação das Nações Unidas.

- Desmilitarização da Alemanha: 

Os líderes discutiram planos para a desmilitarização da Alemanha após a vitória, incluindo a divisão do país em zonas de ocupação e o desmantelamento da máquina de guerra nazista.

- Continuação da Guerra no Pacífico:

A conferência reafirmou o compromisso dos Aliados de lutar até a rendição incondicional do Japão, discutindo a intensificação dos bombardeios e as próximas operações militares.

Outros Temas Abordados:

- Questões Econômicas:

Discussões sobre a assistência econômica para a Europa devastada pela guerra, incluindo o planejamento de programas de ajuda que eventualmente levariam ao Plano Marshall.

- Relações com a União Soviética:

 Continuaram as discussões sobre como manter a aliança com a União Soviética, equilibrando as diferenças ideológicas e os interesses estratégicos.

Consequências das Conferências de Quebec

 Vitória dos Aliados:

As decisões tomadas nas Conferências de Quebec tiveram um impacto direto no desfecho da Segunda Guerra Mundial. A coordenação estratégica e a alocação de recursos discutidas nas conferências foram cruciais para as vitórias subsequentes dos Aliados.

- Operação Overlord:

A invasão da Normandia, planejada durante a primeira conferência, foi um sucesso decisivo que abriu a segunda frente na Europa Ocidental, acelerando a queda do regime nazista.

- Avanços no Pacífico:

A intensificação das operações contra o Japão, discutida nas conferências, levou a uma série de vitórias que eventualmente culminaram na rendição do Japão em agosto de 1945.

Reconstrução e Ordem Mundial Pós-Guerra

As conferências também prepararam o terreno para a reconstrução pós-guerra e a formação de uma nova ordem mundial.

- Criação das Nações Unidas:

As discussões sobre a criação de instituições internacionais durante a segunda conferência de Quebec foram fundamentais para o estabelecimento das Nações Unidas em 1945, uma organização dedicada a promover a paz e a cooperação internacional.

- Plano Marshall:

As ideias discutidas sobre assistência econômica para a Europa devastada levaram ao Plano Marshall, que foi crucial para a recuperação econômica europeia e para a estabilização política do continente.

Relações Internacionais

As conferências também moldaram as relações internacionais no período pós-guerra.

- Relação com a União Soviética:

As conferências ajudaram a manter a aliança com a União Soviética durante a guerra, embora as tensões ideológicas entre o Oriente e o Ocidente já estivessem presentes. Após a guerra, essas tensões evoluíram para a Guerra Fria, mas a cooperação durante a guerra foi essencial para a derrota do Eixo.

- Divisão da Alemanha:

A discussão sobre a desmilitarização e a divisão da Alemanha nas conferências de Quebec resultou na ocupação da Alemanha por zonas controladas pelos Estados Unidos, Reino Unido, França e União Soviética. Isso estabeleceu as bases para a posterior divisão da Alemanha em Ocidental e Oriental, um símbolo da Guerra Fria.

Personagens Envolvidas

Winston Churchill

Winston Churchill (1874-1965), Primeiro-Ministro do Reino Unido, foi uma figura central nas conferências. Conhecido por sua retórica inspiradora e liderança firme, Churchill era um defensor vigoroso da ação ofensiva contra o Eixo e da cooperação estreita com os Estados Unidos. Sua visão estratégica e habilidade diplomática foram cruciais nas deliberações de Quebec.

Franklin D. Roosevelt

O Presidente dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt (1882-1945), trouxe sua visão de uma ordem mundial pós-guerra baseada na cooperação internacional e na criação de instituições duradouras para manter a paz. Roosevelt estava determinado a assegurar uma derrota total do Eixo e a garantir que os horrores da guerra não se repetissem.

Os Comandantes Militares

Generais como Dwight D. Eisenhower (1890-1969), George Marshall (1880-1959) e almirantes como Ernest King (1878-1956) desempenharam papéis vitais nas conferências, trazendo perspectivas militares cruciais e ajudando a planejar operações complexas como a invasão da Normandia. Eisenhower, em particular, foi fundamental no planejamento e execução da Operação Overlord.

Importância das Conferências de Quebec

Estratégia Militar:

As Conferências de Quebec foram essenciais para a coordenação das estratégias militares que levaram à derrota das Potências do Eixo. As decisões tomadas sobre a invasão da Europa, a campanha no Pacífico e a frente italiana demonstraram a importância da cooperação e planejamento conjunto.

Reconstrução Pós-Guerra:

As discussões sobre a reconstrução da Europa e a criação de instituições internacionais ajudaram a moldar o mundo pós-guerra. A criação das Nações Unidas e o Plano Marshall são legados diretos dessas deliberações, tendo um impacto duradouro na paz e prosperidade global.

Relações Internacionais:

A manutenção da aliança com a União Soviética durante a guerra foi crucial para a vitória dos Aliados, apesar das subsequentes tensões da Guerra Fria. As conferências ajudaram a navegar as complexas relações entre as potências Aliadas, estabelecendo um precedente para a diplomacia multilateral.

Lições Aprendidas:

As Conferências de Quebec mostram a importância da liderança forte, da visão estratégica e da cooperação internacional em tempos de crise. Elas exemplificam como a tomada de decisões informada e colaborativa pode levar a resultados bem-sucedidos em cenários complexos e desafiadores.

Conclusão:

As Conferências de Quebec, codinome Quadrant, foram momentos cruciais na história da Segunda Guerra Mundial, onde os líderes dos Aliados se reuniram para coordenar suas estratégias e planejar o futuro do mundo pós-guerra. Através de decisões estratégicas, políticas e econômicas, essas conferências não só ajudaram a garantir a vitória sobre o Eixo, mas também estabeleceram as bases para a ordem mundial que emergiu após o conflito. A importância dessas reuniões reside não apenas nos desfechos imediatos da guerra, mas também nas lições duradouras de cooperação internacional e liderança estratégica que continuam a ressoar nos dias de hoje.

Imagem: 

Franklin Delano Roosevelt e Winston Churchill em 1943 durante a Conferência de Quebec. Foto por: Arthur Rothstein. 

Indicação de leitura: 

A Segunda Guerra Mundial por Antony Beevor

Veja mais em:

https://youtu.be/t5AFUOXy_pA?si=7Y1KUt_Gesl-icki

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