Operação Mar Verde


A Operação Mar Verde foi uma das mais audaciosas e controversas ações militares realizadas durante a Guerra Colonial Portuguesa, marcada pelo seu sigilo, complexidade e, em última análise, fracasso estratégico. Decorrida entre 20 e 22 de novembro de 1970, a operação foi idealizada e ordenada por António de Spínola, Governador e Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné-Bissau. Sob o comando de Alpoim Calvão, Comandante do Centro de Operações Especiais, a missão teve como objetivo principal a desestabilização da República da Guiné, país que, sob o governo de Sékou Touré, apoiava a luta pela independência da Guiné-Bissau, conduzida pelo PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), liderado por Amílcar Cabral.

Contexto Histórico

Na década de 1970, Portugal encontrava-se em guerra em várias frentes das suas colónias africanas: Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. A Guerra Colonial (1961-1974) era um esforço contínuo para manter o império colonial português num momento em que a maré de descolonização já varria a África. A Guiné-Bissau era uma das frentes mais difíceis, com o PAIGC a liderar uma guerra de guerrilha eficaz contra as forças portuguesas. Com o apoio ativo de vários países africanos, particularmente a Guiné-Conacri, as forças do PAIGC encontravam refúgio, suporte logístico e armamento em território guineense, tornando esse apoio um alvo estratégico para Portugal.

A República da Guiné, sob o regime socialista de Sékou Touré, não apenas oferecia abrigo ao PAIGC, mas era também um foco de resistência anti-colonialista, servindo de base para operações contra as forças coloniais. A decisão de António de Spínola de realizar a Operação Mar Verde foi motivada pela necessidade de cortar o apoio que o PAIGC recebia, libertar prisioneiros de guerra portugueses e tentar desestabilizar o regime de Touré, possivelmente provocando um golpe de estado.

 A Operação

O plano de Spínola, executado por Alpoim Calvão, envolvia um ataque anfíbio coordenado à capital guineense, Conacri, uma missão de grande risco e complexidade. Os objetivos eram múltiplos e ambiciosos:

1. Libertar prisioneiros de guerra portugueses: O PAIGC capturara vários soldados portugueses ao longo dos anos, e Conacri era a base onde muitos deles estavam detidos.

2. Destruir os meios logísticos do PAIGC: O plano incluía o ataque e destruição das lanchas rápidas e do quartel-general do PAIGC, que operava a partir de Conacri.

3. Neutralizar Amílcar Cabral: O carismático líder do PAIGC, que era visto como o cérebro por trás da guerrilha, era um alvo prioritário.

4. Eliminar Sékou Touré: Um dos objetivos mais ambiciosos da operação era a eliminação de Touré, na esperança de provocar uma mudança de regime que pudesse ser mais favorável aos interesses portugueses.

5. Destruir os meios militares da Guiné-Conacri: A operação também previa a destruição de caças MiG-17, fornecidos pela União Soviética, que se encontravam estacionados na base aérea de Conacri.

O ataque seria realizado por forças portuguesas em cooperação com elementos da Frente de Libertação Nacional da República da Guiné (FNLG), um grupo dissidente que se opunha a Touré e que esperava, com o apoio português, derrubar o seu regime.

Execução da Operação

A operação foi cuidadosamente planejada e envolveu a infiltração de forças especiais portuguesas e rebeldes guineenses, que foram transportados por mar até Conacri. Os soldados portugueses estavam disfarçados como soldados do FNLG, na tentativa de dissimular o envolvimento direto de Portugal e dar a impressão de que se tratava de uma revolta interna na Guiné.

Ao chegar à costa de Conacri, as forças de Alpoim Calvão conseguiram realizar vários dos objetivos iniciais. Destruíram algumas infraestruturas militares e provocaram o caos na cidade, atacando o quartel-general do PAIGC. No entanto, muitos dos objetivos principais falharam. Amílcar Cabral conseguiu escapar ileso, frustrando a tentativa de neutralizar a liderança do PAIGC. Além disso, os prisioneiros portugueses que se esperava libertar haviam sido transferidos para outra localização, desconhecida pelos atacantes.

A tentativa de derrubar Sékou Touré também fracassou. O presidente da Guiné-Conacri conseguiu escapar ao ataque e o regime não sofreu qualquer abalo significativo. A operação, embora bem-sucedida em causar destruição e confusão temporárias, não conseguiu alterar significativamente o curso da guerra ou eliminar os líderes que sustentavam a resistência guineense.

Consequências

As repercussões da Operação Mar Verde foram profundas, tanto no plano diplomático como no plano militar. Internacionalmente, a operação foi amplamente condenada. A Guiné-Conacri apresentou queixas na ONU, acusando Portugal de violar a soberania de um estado independente. O regime de Sékou Touré utilizou a operação como uma oportunidade para consolidar ainda mais o seu poder, retratando-se como um defensor da independência africana face ao imperialismo europeu.

A nível militar, a operação teve pouco impacto estratégico. O PAIGC continuou a operar a partir da Guiné-Conacri, e as forças portuguesas na Guiné-Bissau continuaram a enfrentar uma guerrilha bem organizada e motivada. Amílcar Cabral, um dos principais alvos da operação, continuou a liderar o PAIGC até ao seu assassinato em 1973, um evento não relacionado com a Operação Mar Verde.

Internamente, em Portugal, a operação causou divisões. Embora Spínola e Calvão tenham defendido a operação como uma tentativa necessária de enfraquecer o inimigo, outros no governo e nas Forças Armadas questionaram a sua eficácia e criticaram o risco elevado envolvido. O fracasso da operação contribuiu para o desgaste da liderança militar e política portuguesa na guerra colonial, que culminaria na Revolução dos Cravos em 1974 e na subsequente descolonização.

Análise Crítica

A Operação Mar Verde destaca-se como um exemplo da desesperada tentativa do governo português de manter o controle sobre as suas ccolônias uma época em que a descolonização era inevitável. A audácia do ataque reflete o desespero estratégico de um regime que enfrentava não apenas a crescente pressão internacional, mas também a incapacidade de suprimir uma guerrilha que tinha o apoio de nações vizinhas e das superpotências da Guerra Fria, como a União Soviética e a China.

Do ponto de vista tático, a operação mostrou a competência das forças especiais portuguesas, mas também expôs as suas limitações. A incapacidade de atingir os objetivos principais, como a eliminação de Amílcar Cabral e a libertação dos prisioneiros de guerra, revela a dificuldade de realizar operações complexas em território inimigo, especialmente quando há uma dependência de informações que podem estar desatualizadas ou incorretas.

No plano diplomático, a operação foi um desastre. Ao invadir o território de um estado soberano, Portugal alienou ainda mais a comunidade internacional e deu ao regime de Sékou Touré a justificativa necessária para intensificar o apoio ao PAIGC. Além disso, a operação não conseguiu provocar o golpe desejado, deixando o regime de Touré mais forte do que antes.

Conclusão

A Operação Mar Verde é um exemplo emblemático das complexidades da Guerra Colonial Portuguesa e dos dilemas enfrentados pelo governo de António de Spínola na Guiné-Bissau. Embora audaciosa e bem planeada, a operação fracassou nos seus principais objetivos, tendo repercussões negativas tanto no campo de batalha como no plano diplomático. O fracasso desta operação ajudou a solidificar a percepção de que a guerra colonial era insustentável e contribuiu, de forma indireta, para o fim do regime salazarista e para a independência das colónias africanas.


Indicações de leituras:

● Operação Mar Verde por António Vassalo Miranda

● Operação Mar Verde: Um Documento para a História por António Luís Marinho

Veja mais em:

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/operacao-mar-verde-parte-i/ 

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/operacao-mar-verde-parte-ii/

https://ensina.rtp.pt/artigo/do-mar-verde-a-madina-do-boe/

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