A Conferência de Zimmerwald


A Conferência de Zimmerwald, também conhecida como a Primeira Conferência Socialista Internacional, foi um evento marcante na história do movimento socialista internacional, ocorrida entre 5 e 8 de setembro de 1915, em Zimmerwald, uma pequena vila na Suíça. Em meio à Primeira Guerra Mundial, um conflito devastador que envolvia as potências imperialistas da época, socialistas de diversos países se reuniram para debater a posição do movimento operário frente ao conflito, a questão do imperialismo e o futuro da luta de classes. A conferência foi um ponto de encontro para aqueles que, apesar da guerra, se mantinham fiéis ao internacionalismo e se opunham à carnificina que tomava conta da Europa.

Contexto Histórico

A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) foi um conflito que mudou drasticamente a geopolítica global. Iniciado como uma disputa entre as potências imperialistas, a guerra envolveu os maiores exércitos do mundo e resultou em milhões de mortes e em uma destruição sem precedentes. Para o movimento socialista, a guerra representou um enorme desafio. O Segundo Internacional, uma organização socialista internacional criada em 1889, viu-se dividida quando muitos de seus membros, especialmente dos maiores partidos social-democratas da Alemanha e da França, votaram a favor dos créditos de guerra e apoiaram a participação de seus países no conflito. Isso foi visto por muitos socialistas como uma traição aos princípios do internacionalismo proletário, que postulava que os trabalhadores de todos os países deveriam se unir contra a exploração capitalista, independentemente das rivalidades nacionais.

A ruptura no movimento socialista, provocada pelo apoio à guerra por parte de várias lideranças socialistas, gerou uma profunda divisão ideológica entre os que apoiavam a chamada “defesa nacional” e aqueles que consideravam a guerra uma disputa imperialista, na qual os trabalhadores não deveriam tomar parte. Os socialistas que se opuseram à guerra procuraram uma forma de rearticular o movimento em bases internacionalistas e de denunciar a conduta daqueles que, sob o pretexto da defesa nacional, apoiavam a carnificina.

O Encontro de Zimmerwald

Nesse contexto, a Conferência de Zimmerwald representou uma tentativa de reorganizar o movimento socialista em torno de princípios internacionalistas. Participaram da conferência 38 delegados, representando 11 países europeus, incluindo Alemanha, França, Itália, Rússia, Suíça e Suécia. Dentre esses delegados, figuras proeminentes como Vladimir Ilyich Ulianov mas conhecido por seu pseudônimo de Lenin, líder dos bolcheviques russos, e Karl Liebknecht, importante socialista alemão, desempenharam papéis de destaque.

A delegação russa, liderada por Lenin, defendia uma posição radical, baseada no marxismo revolucionário. Eles argumentavam que a guerra não era um conflito entre nações em prol da "defesa nacional", mas sim uma guerra imperialista, na qual as potências capitalistas competiam pelo domínio econômico e territorial. Para Lênin, o único caminho para a classe trabalhadora era transformar a guerra imperialista em uma guerra civil revolucionária, que levasse à derrubada dos governos burgueses e ao estabelecimento de ditaduras proletárias.

Outros delegados, no entanto, adotaram uma posição menos radical. O líder socialista suíço Robert Grimm, que presidiu a conferência, e o francês Jean Longuet, neto de Karl Marx, foram favoráveis a uma postura mais moderada, defendendo a paz, mas sem propor uma revolução imediata. Eles estavam dispostos a buscar soluções pacíficas e negociações para acabar com a guerra, e viam a luta armada revolucionária proposta pelos bolcheviques como prematura.

O Manifesto de Zimmerwald

Apesar das diferenças, os delegados da conferência conseguiram chegar a um acordo mínimo, materializado no Manifesto de Zimmerwald, redigido principalmente por Leon Trotsky. O manifesto denunciava o caráter imperialista da guerra, culpava os governos burgueses pela carnificina e apelava aos trabalhadores para se unirem contra o conflito. Criticava veementemente os socialistas que haviam apoiado os créditos de guerra e participado dos governos, acusando-os de traição à causa do proletariado.

O manifesto exigia uma paz sem anexações e sem indenizações, ou seja, uma paz que não envolvesse a apropriação de territórios ou o pagamento de compensações econômicas, e convocava os operários da Europa a se mobilizarem contra a guerra. No entanto, o manifesto não adotou todas as palavras de ordem defendidas por Lênin e pelos bolcheviques. A proposta de transformar a guerra imperialista em guerra civil e a defesa da criação da Terceira Internacional foram rejeitadas pelos delegados mais moderados.

A Conferência de Zimmerwald, apesar de suas limitações, foi um marco importante na rearticulação do movimento socialista internacional. Ela representou o primeiro passo na construção de uma oposição organizada à guerra, e embora não tenha adotado plenamente as propostas bolcheviques, criou as bases para o desenvolvimento de um movimento socialista revolucionário que culminaria na Revolução Russa de 1917.


Consequências e Impacto

A Conferência de Zimmerwald teve um impacto significativo no movimento socialista internacional. Embora a maioria dos delegados não fosse a favor de uma revolução imediata, a conferência ajudou a consolidar a divisão entre os socialistas moderados, que ainda acreditavam em soluções pacíficas e parlamentares, e os socialistas revolucionários, que viam na guerra uma oportunidade para a derrubada do capitalismo.

Lênin e os bolcheviques, embora insatisfeitos com o resultado da conferência, saíram fortalecidos do encontro. A insistência de Lênin em transformar a guerra em uma luta de classes e em organizar a Terceira Internacional foi uma prefiguração das ações que os bolcheviques tomariam em 1917, quando a Revolução de Outubro transformaria a Rússia no primeiro Estado socialista do mundo.

O Zimmerwald Left, uma ala mais radical que surgiu da conferência e que incluía Lênin, continuou a se organizar e a preparar o terreno para a revolução. Eles acreditavam que a guerra imperialista era uma consequência inevitável do capitalismo e que apenas a derrubada desse sistema poderia trazer uma paz verdadeira e duradoura.

Por outro lado, os socialistas mais moderados, que buscavam uma paz negociada, foram gradualmente marginalizados à medida que a guerra se intensificava e as condições para uma revolução socialista se tornavam mais evidentes. A Conferência de Zimmerwald, portanto, marcou o início de um processo que culminaria na formação da **Terceira Internacional** em 1919, após a vitória dos bolcheviques na Rússia.

A Declaração Conjunta e as Vítimas da Guerra

Além do manifesto principal, a Conferência de Zimmerwald também aprovou uma declaração conjunta das delegações alemã e francesa, que simbolizava a solidariedade internacionalista entre os trabalhadores de países inimigos. Isso era particularmente importante, já que a guerra havia colocado trabalhadores de diferentes países uns contra os outros, enquanto os governos burgueses continuavam a lucrar com o conflito.

A conferência também aprovou uma resolução de simpatia para com as vítimas da guerra e para com os militantes socialistas que estavam sendo perseguidos por causa de sua oposição ao conflito. Essa resolução expressava a solidariedade da conferência com aqueles que, em meio à guerra, continuavam a lutar pela paz e pela revolução.

Conclusão

A Conferência de Zimmerwald foi um momento crucial na história do movimento socialista internacional. Realizada em meio à Primeira Guerra Mundial, ela representou a tentativa de reorganizar o movimento operário em torno de princípios internacionalistas, contra a traição dos socialistas que haviam apoiado a guerra. Embora não tenha adotado todas as propostas revolucionárias dos bolcheviques, a conferência lançou as bases para a formação de um movimento socialista internacional que se opunha firmemente ao imperialismo e à guerra.

Os debates e as divisões dentro da conferência refletiam as diferentes visões sobre como enfrentar a guerra e o imperialismo, mas todos os delegados compartilhavam o desejo de pôr fim à carnificina e de reorganizar a sociedade em bases socialistas. A Conferência de Zimmerwald, portanto, foi um marco na luta contra o imperialismo e pela paz, e teve um impacto duradouro no desenvolvimento do movimento socialista internacional e na Revolução Russa de 1917.


Indicação de leituras:

● História da Internacional Comunista por Pierre Broué

● Introdução aos anais do Partido Mundial da Revolução, publicado em III Internacional Comunista por Tau Gollin

● O Primeiro Passo, Tomo 27 por Vladimir Lenin.

● Proposta do Comitê Central do POSDR a Segunda Conferência Socialista, Boletim número 3 da Comissão Socialista Internacional, 29 de fevereiro de 1916 por Vladimir Lenin.

 

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