A Conferência de Bretton Woods e a Construção do Sistema Monetário Internacional
Introdução
A Conferência de Bretton Woods, realizada em julho de 1944, foi um marco na história econômica mundial. Em meio aos desdobramentos da Segunda Guerra Mundial, 44 países se reuniram em New Hampshire, Estados Unidos, com o objetivo de criar um sistema financeiro internacional estável, capaz de promover a cooperação econômica e evitar os erros do período entreguerras. O resultado foi a criação de um novo Sistema Monetário Internacional (SMI), baseado no dólar como moeda de referência e ancorado no padrão-ouro, além da fundação de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), mais tarde incorporado ao Banco Mundial.
Neste texto, analisaremos as motivações por trás da criação desse sistema, as negociações entre os Estados Unidos e o Reino Unido, o funcionamento e os impactos do acordo, bem como sua crise e colapso na década de 1970.
1. O Contexto Histórico e Econômico da Conferência de Bretton Woods
A Conferência de Bretton Woods não foi um evento isolado, mas uma resposta a décadas de instabilidade econômica global. Para compreender sua importância, é necessário analisar os antecedentes que levaram à necessidade de reformulação do sistema financeiro mundial. De acordo com John Parker Young:
A Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas, que se reuniu em Bretton Woods, New Hampshire, de 10 a 22 de julho de 1944, produziu duas propostas principais: o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). Estas duas instituições fazem parte do programa geral que os Estados Unidos e outras nações amantes da paz estão preparando para melhorar as condições econômicas em todo o mundo.
Em Dumbarton Oaks, fizeram-se planos para a segurança geral e para uma organização internacional de extensas responsabilidades. O Conselho Econômico e Social propôs a criação de um órgão coordenador para exercer as funções que lhe fossem designadas pela Assembleia Geral. Também estão projetados vários órgãos especializados, cujas responsabilidades e autoridade abrangem os principais setores econômicos.
Na Conferência de Hot Springs, Virginia, foram elaborados os planos para a organização relativa à Alimentação e Agricultura. Também estão sendo consideradas medidas para se conseguir uma redução geral das barreiras comerciais e o abandono de normas inconvenientes. As diversas medidas e organizações que estão sendo projetadas neste momento constituem um programa unificado e devem ser consideradas como partes de um todo.
No setor das finanças, as organizações propostas são o Fundo Monetário Internacional e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento. Estas duas instituições correlacionadas são destinadas a fornecer a base para o desenvolvimento das transações internacionais, facilitando, por meio delas, a expansão comercial e, ao mesmo tempo, uma utilização mais completa dos recursos produtivos do mundo. Elas visam à obtenção de um rendimento nacional mais elevado e à segurança geral.
Esses dois planos representam um esforço combinado de 44 nações e são o resultado de um longo período de estudo e troca de impressões entre os peritos desses governos, de maneira extraoficial. Antes da conferência, já havia sido alcançado um acordo sobre os princípios e as linhas gerais dos planos, mas ainda restava muito trabalho a ser feito.
Examinada de perto, a Conferência de Bretton Woods impressionava pelo enorme volume de trabalho intenso e pela firmeza das nações representadas em encontrar um terreno comum de harmonia e produzir um plano. Suas delegações eram compostas por pessoas da mais alta competência técnica. Vista em conjunto, a conferência representa um passo significativo na colaboração internacional. Os peritos de 4 nações formularam os regulamentos monetários e cambiais.
Com as oscilações em divisas e mercadorias de antes da guerra ainda frescas na memória, as nações reconheceram que seus interesses econômicos eram interdependentes e que a cooperação era essencial. Também reconheceram que a organização que estavam projetando, se devidamente executada, seria uma importante contribuição para o bem-estar e o progresso duradouros do mundo.
Os acordos elaborados na conferência não constituem obrigação para os governos. Agora, estão sendo analisados pelos governos das Nações Unidas, que decidirão sobre sua adoção. O acordo sobre o Fundo Monetário Internacional entrará em vigor assim que for aprovado por nações que disponham de 65% das quotas. Já o acordo do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento entrará em vigor quando for aprovado por membros do Fundo, cujas subscrições mínimas no banco correspondam a 65% do total das quantias subscritas.
Nota: John Parker Young foi Conselheiro de Instituições Financeiras Internacionais, Divisão de Assuntos Monetários e Financeiros, Repartição de Negócios Econômicos da Secretaria de Estado, um dos membros do Secretariado da Conferência de Bretton Woods.
1.1 A Crise do Entreguerras e o Colapso do Padrão-Ouro
No início do século XX, o padrão-ouro era o principal sistema monetário internacional. Ele consistia na conversibilidade direta das moedas nacionais em ouro, garantindo estabilidade cambial e previsibilidade nas transações internacionais. No entanto, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) impôs enormes pressões sobre os países envolvidos, levando muitos a suspenderem a conversibilidade do ouro para financiar suas operações militares.
A Grande Depressão de 1929 foi outro fator determinante para o colapso do padrão-ouro. A crise financeira levou ao aumento do protecionismo, à desvalorização competitiva das moedas e a políticas econômicas descoordenadas, intensificando a instabilidade global. O Reino Unido abandonou o padrão-ouro em 1931, seguido pelos Estados Unidos em 1933, o que aprofundou a fragmentação do sistema financeiro internacional.
1.2 A Segunda Guerra Mundial e a Urgência por um Novo Sistema
Durante a Segunda Guerra Mundial, os países aliados perceberam a necessidade de um novo arranjo monetário para evitar os erros cometidos após a Primeira Guerra. O objetivo era criar um sistema que garantisse a estabilidade cambial, promovesse o crescimento econômico e facilitasse o comércio internacional.
Dois economistas se destacaram nesse debate: John Maynard Keynes, do Reino Unido, e Harry Dexter White, dos Estados Unidos. Ambos concordavam na necessidade de um novo sistema, mas divergiam sobre seus detalhes. Keynes propôs a criação de uma moeda internacional chamada Bancor, emitida por uma instituição supranacional que regularia os desequilíbrios das balanças de pagamentos. White, por outro lado, defendia um sistema baseado no dólar, dada a força econômica dos Estados Unidos no período. A proposta de White acabou prevalecendo, consolidando a hegemonia do dólar no sistema financeiro global.
2. O Funcionamento do Sistema de Bretton Woods
Acordado em 1944 e implementado após a guerra, o sistema de Bretton Woods estabeleceu um conjunto de regras para a administração das relações econômicas entre os países.
2.1 Principais Características do Sistema
O sistema assentava em três pilares fundamentais:
1. Paridade Cambial Fixa: as moedas nacionais deveriam ter um valor fixo em relação ao dólar, que, por sua vez, era conversível em ouro a uma taxa fixa de 35 dólares por onça-troy. Isso visava garantir estabilidade cambial e previsibilidade nas transações comerciais internacionais.
2. Convertibilidade das Moedas: os países deveriam assegurar que suas moedas fossem conversíveis para fins comerciais e de investimento, promovendo a livre circulação de capitais.
3. Equilíbrio das Balanças de Pagamentos: para evitar déficits persistentes, os países poderiam recorrer a mecanismos de ajuste, como empréstimos do FMI ou ajustes nas taxas de câmbio dentro de uma margem pré-determinada.
2.2 Criação do FMI e do Banco Mundial
O acordo de Bretton Woods também estabeleceu duas instituições financeiras globais:
- Fundo Monetário Internacional (FMI): criado para fornecer assistência financeira temporária a países com dificuldades na balança de pagamentos, ajudando-os a manter a estabilidade cambial e evitar crises econômicas.
- Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD): destinado a financiar a reconstrução dos países devastados pela guerra e promover o desenvolvimento econômico. Mais tarde, tornou-se parte do Banco Mundial.
3. O Funcionamento e os Benefícios do Sistema (1945-1971)
Nas primeiras décadas após sua implementação, o sistema de Bretton Woods trouxe estabilidade e crescimento econômico. O comércio internacional se expandiu rapidamente, e o período entre 1945 e 1971 ficou conhecido como os "Trinta Gloriosos", caracterizado por altos níveis de crescimento econômico e desenvolvimento social nos países ocidentais.
Os Estados Unidos desempenharam um papel central nesse sistema, visto que o dólar tornou-se a principal moeda de reserva mundial. No entanto, essa dependência da moeda norte-americana também gerou vulnerabilidades.
4. A Crise e o Colapso do Sistema de Bretton Woods
A partir da década de 1960, o sistema começou a enfrentar desafios estruturais que culminariam em seu colapso na década seguinte.
4.1 O Problema da Liquidez e o Dilema de Triffin
O economista belga Robert Triffin alertou para um problema fundamental do sistema: os Estados Unidos precisavam fornecer dólares ao mundo para sustentar o crescimento do comércio internacional, mas isso levava a um aumento dos déficits norte-americanos. Esse paradoxo ficou conhecido como o "Dilema de Triffin".
4.2 A Instabilidade do Dólar e a Crise da Confiança
Nos anos 1960, os gastos dos EUA com a Guerra do Vietnã e programas sociais como a "Grande Sociedade" de Lyndon B. Johnson levaram a um aumento do déficit fiscal. Os países começaram a questionar a capacidade dos EUA de manter a paridade do dólar com o ouro.
Em 1971, o presidente Richard Nixon anunciou o fim da conversibilidade do dólar em ouro, em um evento conhecido como o "Choque Nixon". Isso marcou o colapso definitivo do sistema de Bretton Woods, levando à adoção de regimes de câmbio flutuante na maioria dos países.
5. O Legado de Bretton Woods e o Sistema PPós-1971
Mesmo após seu colapso, a conferência de Bretton Woods deixou um legado duradouro. O FMI e o Banco Mundial continuam a desempenhar papéis centrais na economia global. Além disso, o dólar permanece a principal moeda de reserva mundial, ainda que sem o respaldo do ouro.
A transição para um sistema de câmbio flutuante trouxe novos desafios, como crises financeiras frequentes e instabilidade cambial. No entanto, também possibilitou maior flexibilidade para os países adotarem políticas monetárias independentes.
Conclusão
A Conferência de Bretton Woods representou um dos mais ambiciosos esforços de cooperação econômica internacional da história. Criou um sistema monetário que garantiu décadas de estabilidade e crescimento, mas que, devido a suas contradições internas, colapsou no início da década de 1970.
Seu legado, contudo, permanece vivo. As instituições criadas nesse período ainda são fundamentais para a governança econômica global, e as lições de Bretton Woods continuam relevantes para os debates sobre a reforma do sistema financeiro internacional no século XXI.
Indicação de Leitura:
● A Conferência de Bretton Woods prepara os Planos de Finanças Internacionais por John Parker Young
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