Os Ciclos Econômicos de Kondratieff

A economia global é caracterizada por períodos alternados de crescimento e crise. Dentro desse contexto, diversas teorias foram propostas para compreender as flutuações econômicas e suas dinâmicas ao longo do tempo. Uma das mais intrigantes e debatidas é a teoria dos Ciclos de Kondratieff, também conhecidos como Ondas de Kondratieff ou Teoria dos Ciclos Longos.  

Essa teoria foi desenvolvida pelo economista russo Nikolai Dmitrievich Kondratieff no início do século XX. Segundo ele, a economia global segue padrões cíclicos de longo prazo, impulsionados por inovações tecnológicas e mudanças estruturais nos sistemas produtivos. A ideia foi revolucionária, mas enfrentou resistência tanto do lado socialista quanto do capitalista.  

Este artigo explora a teoria dos ciclos longos de Kondratieff, abordando sua origem, funcionamento, aplicações e relevância no contexto econômico contemporâneo.  

1. Quem foi Nikolai Kondratieff? 

Nikolai Dmitrievich Kondratieff nasceu em 1892, na Rússia, e destacou-se como economista e estatístico. Formado pela Universidade de São Petersburgo, ele dedicou sua carreira ao estudo dos ciclos econômicos e suas implicações na economia mundial.  

Durante a década de 1920, Kondratieff conduziu pesquisas sobre flutuações econômicas de longo prazo e apresentou sua teoria dos ciclos longos em seu livro "Os Grandes Ciclos da Vida Econômica", publicado em 1925. Ele identificou padrões recorrentes na economia global, que sugeriam a existência de períodos de expansão, estagnação e recessão com duração entre 40 e 60 anos.  

Sua teoria, no entanto, entrou em conflito com a ideologia econômica soviética. Josef Stálin via suas conclusões como uma ameaça, pois implicavam que a economia capitalista poderia se recuperar após períodos de crise. Em 1930, Kondratieff foi preso e, em 1938, executado durante os expurgos de Stálin. Apesar de sua morte prematura, sua teoria continuou a influenciar economistas e historiadores ao longo do século XX. Segundo o historiador Eric Hobsbawm:

As operações de uma economia capitalista jamais são suaves, e flutuações variadas, muitas vezes severas, fazem parte integral dessa forma de reger os assuntos do mundo. O chamado “ciclo do comércio”, de expansão e queda, era conhecido de todo homem de negócios do século XIX. Esperava-se que se repetisse, com variações, a cada período de sete a onze anos. Uma periodicidade um tanto mais extensa começara a chamar a atenção no fim do século XIX, quando observadores perceberam em retrospecto as inesperadas peripécias das décadas anteriores. Um boom espetacular, batedor de recordes, de cerca de 1850 a inícios da década de 1870, fora seguido por vinte e tantos anos de incertezas econômicas (os autores econômicos, um tanto enganadoramente, falaram numa Grande Depressão), e depois por outra onda marcadamente secular de progresso na economia mundial. 

No início da década de 1920, um economista russo, N. D. Kondratieff, que mais tarde seria uma das primeiras vítimas de Stalin, discerniu um padrão de desenvolvimento econômico a partir de fins do século XVIII, através de uma série de “ondas longas” de cinqüenta a sessenta anos, embora nem ele nem ninguém mais conseguisse dar uma explicação satisfatória para esses movimentos, e estatísticos céticos até mesmo negassem sua existência. Desde então, elas tornaram-se universalmente conhecidas na literatura especializada sob o nome de Kondratiev, que, por sinal, concluiu na época que a longa onda da economia mundial estava para terminar.

Tinha razão.

No passado, ondas e ciclos, longos, médios e curtos, tinham sido aceitos por homens de negócios e economistas mais ou menos como os fazendeiros aceitam o clima, que também tem seus altos e baixos. Nada se podia fazer a respeito: criavam oportunidades ou problemas, podiam trazer a prosperidade ou a bancarrota a indivíduos ou indústrias, mas só os socialistas que, como Karl Marx, acreditavam que o ciclo fazia parte de um processo pelo qual o capitalismo gerava o que acabariam por se revelar contradições internas insuperáveis, achavam que elas punham em risco a existência do sistema econômico como tal. Esperava-se que a economia mundial continuasse crescendo e avançando, como havia claramente feito, com exceção das súbitas e breves catástrofes das depressões cíclicas, por mais de um século.

O que parecia ser novo na recente situação era que, provavelmente pela primeira e até ali única vez na história do capitalismo, suas flutuações apresentavam perigo para o sistema. E mais: em importantes aspectos, a curva secular de subida parecia interromper-se.

A história da economia mundial desde a Revolução Industrial tem sido de acelerado progresso técnico, de contínuo mas irregular crescimento econômico, e de crescente “globalização”, ou seja, de uma divisão mundial cada vez mais elaborada e complexa de trabalho; uma rede cada vez maior de fluxos e intercâmbios que ligam todas as partes da economia mundial ao sistema global. O progresso técnico continuou e até se acelerou na Era da Catástrofe, transformando e sendo transformado pela era de guerras mundiais. Embora na vida da maioria dos homens e mulheres as experiências econômicas centrais da era tivessem sido cataclísmicas, culminando na Grande Depressão de 1929-33, o crescimento econômico não cessou nessas décadas. Apenas diminuiu o ritmo. (HOBSBAWM, 1997, p. 74-75)

2. Como funciona a teoria dos ciclos longos?  

Kondratieff identificou que as economias capitalistas passavam por ciclos de longa duração, impulsionados por ondas de inovação tecnológica e mudanças estruturais. Cada ciclo, segundo ele, era composto por três fases principais:  

1. Expansão – Período de crescimento econômico impulsionado por inovações tecnológicas e investimentos.  

2. Estagnação – Momento de desaceleração do crescimento, caracterizado por instabilidade e incerteza.  

3. Recessão – Fase de declínio econômico, com crises financeiras, desemprego e redução do consumo.  

Atualmente, a teoria é interpretada com quatro fases, introduzindo uma distinção mais detalhada dentro do ciclo:  

1. Primavera (Recuperação) – Uma nova tecnologia começa a ser adotada, gerando otimismo econômico.  

2. Verão (Boom) – O crescimento econômico atinge seu auge, com forte investimento e expansão.  

3. Outono (Estagnação) – O crescimento começa a desacelerar, e o excesso de produção gera ineficiências.  

4. Inverno (Depressão ou Crise) – A economia entra em recessão, até que uma nova tecnologia impulsione outro ciclo.  

3. Aplicação da teoria e ciclos históricos  

Kondratieff aplicou sua teoria analisando a economia mundial do século XIX, identificando dois ciclos principais:  

1. Primeiro ciclo (1790-1849) – Marcado pela Revolução Industrial e pela mecanização da produção têxtil.  

2. Segundo ciclo (1850-1896) – Impulsionado pela expansão ferroviária, eletricidade e indústrias pesadas.  

Desde então, economistas identificaram novos ciclos no século XX e XXI:  

- Terceiro ciclo (1896-1945) – Expansão da indústria química, aço e petróleo; colapsado pela Grande Depressão e Segunda Guerra Mundial.  

- Quarto ciclo (1945-1990) – Revolução do consumo em massa, crescimento do setor automotivo e da eletrônica.  

- Quinto ciclo (1990-presente) – Era digital, com avanços em computadores, internet e inteligência artificial.  

Essas ondas mostram como inovações estruturais transformam a economia global, gerando crescimento e novas oportunidades até atingirem um ponto de saturação. No entendimento do economista Bresser-Pereira:

 Já nos ciclos longos o mais importante são as características estruturais do processo de acumulação que se estabelecem. Os ciclos longos geralmente correspondem a um deter-minado padrão de acumulação; são definidos principalmente em função dos pacotes de inovação e acumulação, nos quais o progresso técnico é um componente importante mas não exclusivo. A partir das grandes ondas de inovação, novos setores industriais são implantados ou apresentam um desenvolvimento excepcional a partir da introdução de novos produtos (progresso técnico de produto), novos métodos de produção mais eficientes são introduzidos, implicando aumento da produtividade do trabalho e/ou do capital (progresso técnico de processo), novas fontes de matérias-primas são colocadas em atividade, novos mercados são abertos, novas técnicas de comercialização e de diferenciação de produtos são implantadas e novas formas de estruturação do mercado são definidas geralmente tendendo para a oligopolização e cartelização de determinados setores produtivos e/ou para a intervenção do Estado nesses setores.

Os ciclos longos duram cerca de cinquenta a sessenta anos. Sob certas circunstâncias poderão ser confundidos com as etapas seculares. Entretanto delas se distinguem porque os critérios de periodização são diversos. Os ciclos de Kondratieff, como os ciclos econômicos, são flutuações industriais, enquanto que as etapas de desenvolvimento são tendências seculares. Ora as mudanças de tendências são marcadas antes por modificações permanentes no comportamento da taxa de lucro, da taxa de mais valia, da composição orgânica do capital, do tipo de progresso técnico, e por correspondentes alterações parciais nas relações de produção do que pelo ritmo das flutuações industriais. Já um ciclo econômico ou ciclo de Juglar terá em geral duração de oito a dez anos. Um ciclo longo, por sua vez, geralmente compreenderá cinco ou seis ciclos de Juglar. Uma crise mais profunda dentro de um ciclo será freqüentemente o sinal e também o resultado do encerramento de um ciclo longo e do seu correspondente padrão de acumulação.

Os ciclos longos são chamados de ciclos de Kondratieff porque, embora autores anteriores já houvessem percebido o fenômeno, foi Nikolai Kondratieff, em um artigo clássico publicado em 1926 que os detectou e comprovou de forma definitiva. Kondratieff nesse artigo verificou a ocorrência de três ondas longas, a partir do final do século XVIII. Quando escrevia seu artigo, a economia mundial encontrava-se na fase b, de declínio, da terceira onda longa, que estender-se-ia até 1940-45. A primeira onda longa fora aproximadamente de 1790 a 1844-45 e a segunda, de 1844-45 a 1890-96. Para comprovar sua tese Kondratieff utilizou uma extensa série de dados estatísticos, que mostravam que durante 25 a 30 anos a economia crescia com rapidez, sendo as fases de expansão dos ciclos normais mais longos e as de desaceleração mais curtas, o inverso ocorrendo nos 25 a 30 anos seguintes, nos quais, afinal, a economia crescia muito mais lentamente, ocorrendo, portanto, um relativo declínio. (BRESSER-PEREIRA, 1986, p. 185-186)

4. O papel da inovação nos ciclos econômicos  

A teoria de Kondratieff está fortemente ligada ao papel da inovação tecnológica. Cada nova onda é impulsionada por descobertas que revolucionam setores inteiros. Alguns exemplos incluem:  

- Primeira Revolução Industrial (máquinas a vapor, teares mecânicos).  

- Segunda Revolução Industrial (ferrovias, eletricidade, petróleo).  

- Revolução Digital (computadores, internet, inteligência artificial).  

Joseph Schumpeter, influenciado por Kondratieff, ampliou essa visão com sua teoria da destruição criativa, afirmando que o crescimento econômico ocorre por meio da substituição de tecnologias antigas por novas.  

Hoje, muitos economistas acreditam que estamos no final de um ciclo baseado na digitalização e inteligência artificial. A próxima onda pode ser impulsionada por avanços na biotecnologia, energia renovável ou computação quântica.  

5. Por que a teoria não foi bem aceita?  

A teoria dos ciclos longos enfrentou resistência tanto do lado socialista quanto do capitalista:  

- Na União Soviética, Kondratieff foi perseguido porque sua teoria sugeria que o capitalismo não entraria em colapso definitivo, mas passaria por ciclos de recuperação. Isso contrariava a doutrina marxista de que o capitalismo era um sistema condenado.  

- No Ocidente, muitos economistas rejeitaram a ideia de ciclos tão longos, pois acreditavam que a economia era influenciada mais por políticas monetárias e fiscais do que por tendências estruturais de longo prazo.  

Apesar das críticas, a teoria continuou a ser estudada, e muitos economistas modernos a utilizam para entender crises financeiras e tendências globais.  

6. O impacto dos ciclos longos na economia atual  

Hoje, a teoria de Kondratieff é frequentemente usada para analisar crises financeiras e mudanças estruturais na economia global. Alguns eventos recentes podem ser interpretados dentro desse contexto:  

- Crise de 2008 – Alguns economistas sugerem que a crise financeira de 2008 marcou o início da fase de "inverno" do atual ciclo.  

- Pandemia de COVID-19 – A recessão global gerada pela pandemia acelerou o fim do atual ciclo e pode estar pavimentando o caminho para a próxima onda de inovação.  

- Transição para energia limpa – A mudança para energias renováveis pode ser o gatilho para um novo ciclo de Kondratieff, impulsionando a economia global por meio de inovações sustentáveis.  

A principal lição da teoria é que as crises não são o fim da economia, mas o começo de um novo ciclo. Assim como no passado, inovações continuarão a impulsionar mudanças e abrir novas oportunidades.  

Conclusão

A teoria dos Ciclos de Kondratieff oferece uma visão fascinante da economia de longo prazo. Desde sua concepção na década de 1920, foi objeto de debate e controvérsia, mas continua sendo uma ferramenta útil para entender as dinâmicas de crescimento e recessão.  

Embora tenha sido rejeitada tanto por economistas socialistas quanto por capitalistas, sua influência persiste, especialmente entre aqueles que estudam inovações tecnológicas e mudanças estruturais.  

Se estamos no fim de um ciclo ou no início de um novo, o futuro dirá. Mas uma coisa é certa: a história da economia sempre se repete – e as ondas de Kondratieff continuarão a moldar o mundo por décadas. 


Imagem: 

EBC Financial Group

Indicação de Leituras:

● A Era dos Extremos: O breve século XX, 1914-1991 por Eric Hobsbawm

● Lucro Acumulação e Crise por Luiz Carlos Bresser-Pereira

Veja mais em:

https://youtu.be/agbwqtpOcg8?si=DDOFxFJRgDVRfUKK

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