O Retrato da Humanidade em uma Carta a Marilyn Monroe
Miss Marilyn Monroe
Waldorf Towers
Room 2728
New York City, N.Y.
I know that you are not made of celestial ether, but he doesn’t. A suggestion that you have normal functions would shock him deeply, and I’m not going to be the one to tell him.
On a recent trip to Texas, my wife made the fatal error of telling Jon that I had met you. He doesn’t really believe it, but his respect for me has gone up — even for lying about it.
If you will do this, I will send you a guest key to the ladies’ entrance of Fort Knox and, furthermore, I will like you very much.
Tradução da Carta:
Senhorita Marilyn Monroe
Waldorf Towers
Quarto 2728
Nova York, N.Y.
Querida Marilyn,
28 de abril de 1955
Em toda a minha experiência, nunca conheci alguém que pedisse um autógrafo para si mesmo. É sempre para uma criança ou para uma tia idosa, o que se torna muito cansativo — como você sabe melhor do que eu.
É, portanto, com certa náusea que lhe digo que tenho um sobrinho-por-afinidade que mora em Austin, Texas, e se chama Jon Atkinson. Ele tem um pé na porta da puberdade, mas esse é apenas um dos seus problemas.
Você é o outro.
Eu sei que você não é feita de éter celestial, mas ele não sabe disso. Sugerir que você tenha funções normais o chocaria profundamente, e não serei eu quem irá lhe contar isso.
Em uma recente viagem ao Texas, minha esposa cometeu o erro fatal de contar a Jon que eu havia conhecido você. Ele não acredita muito nisso, mas o respeito que ele tem por mim aumentou — mesmo que seja por eu mentir sobre isso.
Agora, eu recebo pedidos de todo tipo de favores tolos, então não tenho hesitação em lhe pedir um. Você poderia enviar a ele, aos meus cuidados, uma foto sua — talvez em um humor pensativo, de garota — assinada com o nome dele e dando a entender que você tem consciência da existência dele?
Ele já é seu escravo. Isso faria com que ele se tornasse meu também.
Se você fizer isso, eu lhe enviarei uma chave de hóspede para a entrada feminina de Fort Knox e, além disso, gostarei muito de você.
Atenciosamente,
A carta acima, escrita com refinado humor e afeto, não é apenas um pedido de autógrafo para um adolescente fascinado por Marilyn Monroe. É uma peça literária sutil, irônica, espirituosa — e profundamente reveladora da forma como o mito e a humanidade se entrelaçam quando o assunto é uma figura como Marilyn. O autor da carta era nada menos que John Steinbeck, um dos maiores escritores norte-americanos, autor de obras-primas como "As Vinhas da Ira" e "Ratos e Homens".
É fascinante imaginar um vencedor do Prêmio Nobel de Literatura se rendendo, ainda que por mediação de um sobrinho adolescente, ao poder magnético de Marilyn Monroe — e é exatamente nessa tensão entre o sagrado e o profano, o cotidiano e o lendário, que reside a beleza dessa carta.
1. O que revela a carta?
A escrita de Steinbeck está repleta de ironia fina. Ele começa negando o ato que está prestes a cometer: pedir um autógrafo. E faz isso com um certo fastio intelectual — típico daqueles que se colocam acima da cultura das celebridades — mas que, ainda assim, se vê seduzido por ela.
A carta é recheada de frases que exibem a inteligência mordaz de Steinbeck. Ao dizer que o menino tem “um pé na porta da puberdade, mas esse é apenas um dos seus problemas; você é o outro”, ele não apenas nos arranca um sorriso, como traduz com precisão cirúrgica a confusão emocional e hormonal da adolescência. A figura de Marilyn é retratada como algo inatingível, angelical, quase etérea — “sei que você não é feita de éter celestial, mas ele não sabe disso”.
Essa idealização de Marilyn como uma figura que transcende o real, que não tem “funções normais”, reflete o modo como a cultura pop dos anos 1950 construía seus ícones: inalcançáveis, divinos, mas também perigosamente humanos — e isso nos leva ao centro de todo o drama da vida real de Marilyn.
2. Quem são os personagens?
Marilyn Monroe, a destinatária, é a musa de uma época. Em 1955, quando esta carta foi escrita, ela estava no auge da fama. Havia acabado de fundar sua própria produtora e buscava ser levada a sério como atriz. Ao mesmo tempo, era assediada por um público que via nela não a artista, mas o símbolo sexual, a pin-up, a fantasia nacional.
John Steinbeck, o remetente, é uma das vozes mais importantes da literatura americana do século XX. Prêmio Nobel de Literatura no ano de 1962. Socialmente engajado, crítico das desigualdades, mas também sensível ao cotidiano humano. Nesta carta, ele se desarma da solenidade do autor consagrado e assume o papel de um tio que deseja agradar um menino, mostrando que por trás da fama há também ternura.
Jon Atkinson, o sobrinho, é o jovem leitor fascinado por Marilyn. Um símbolo de tantos adolescentes da época — e de hoje — que se apaixonam pelo inalcançável, moldam suas emoções por imagens idealizadas e vivem as dores do crescimento embalados por mitos culturais.
3. A cultura do mito e o fascínio por Marilyn
Marilyn Monroe, como tantas outras figuras públicas, tornou-se um espelho no qual as pessoas projetam desejos, sonhos e ilusões. Steinbeck reconhece isso com delicadeza. Ele sabe que Marilyn não é um ser divino, mas também compreende que, para o sobrinho, ela é. E não quer ser ele o responsável por destruir essa ilusão — pelo menos, não ainda.
A carta é também uma crítica sutil à desumanização das celebridades. Ao pedir que Marilyn envie uma foto em “humor pensativo, de garota”, Steinbeck suaviza a hipersexualização da atriz e pede, com discrição, que ela apareça mais humana, mais sensível, talvez até mais acessível para um jovem sensível e sonhador.
4. Os sentimentos por trás da carta
Há, acima de tudo, ternura. Um tio que quer agradar um sobrinho. Um escritor que compreende o poder da fantasia, mas que também reconhece seus limites. Um homem que, mesmo ciente do ridículo possível do pedido, não hesita em fazê-lo — e ainda o faz com charme e elegância.
A leveza da carta não esconde o afeto sincero. Steinbeck não pede um favor; ele oferece um jogo. Diz que, se Marilyn atender ao pedido, ele enviará “uma chave de hóspede para a entrada feminina de Fort Knox” — uma piada espirituosa que, ao mesmo tempo, exalta o valor do gesto dela.
5. O que essa carta nos ensina hoje?
Ela nos mostra que mesmo os grandes — os laureados, os sérios, os respeitados — também se encantam com os mitos da cultura popular. Mas mais do que isso: revela que no fundo de todo ídolo há uma pessoa, e que por trás de toda fama existe o desejo humano de se conectar, de agradar, de sonhar.
A carta também nos alerta para o papel das celebridades como receptáculos de desejo coletivo. Marilyn era desejada, idealizada, consumida como um produto. Mas cartas como essa nos mostram que, ao menos por alguns instantes, também foi tratada como uma pessoa — digna de humor, de respeito e de um pouco de poesia.
Comentários
Postar um comentário
Agradecemos o seu comentário. Isto nos ajuda no desenvolvimento deste blog.