Série crônicas: Cenas cariocas, o Rio como ele era! Um Chapéu ao Sol
Um Chapéu ao Sol
Acordei, caro leitor, numa manhã de 1918 com o céu mais azul que a alma de um poeta apaixonado. Parecia uma tela de Monet, caso o francês tivesse passado uma temporada em Paquetá. Julguei ser sinal dos céus — e quando os céus sorriem, este cronista não hesita: vesti meu terno de linho branco, alvejado pela esperança de um Brasil ilustrado, calcei botas que não conheciam lama, e ajeitei, com a dignidade que só um flâneur tropical pode ter, meu novo chapéu da Chapelaria Alberto — peça tão garbosa que logo ganhou nome próprio: Chapéu Sol, não pela proteção, mas pelo esplendor.
E lá fui eu, ao Cosme Velho, tomar a elegante Estrada de Ferro do Corcovado, joia belga inaugurada em 1884 e posta sobre trilhos pela vontade do imperador Pedro II, cuja melancolia oitocentista ainda pairava sobre o morro. Subi como um monarca deposto, com ares de quem procura o espírito da pátria no alto da montanha.
No mirante, o mundo se abriu. A baía da Guanabara reluzia feito promessa de civilização. A Pedra da Gávea resplandecia como esfinge tropical; o Pão de Açúcar se insinuava doce aos olhos; Copacabana, um convite ao pecado marítimo; e a Serra dos Órgãos, com seus contornos celestiais, abençoava a paisagem com dignidade europeia.
Sim, a Belle Époque carioca parecia alcançar o zênite. Do alto, via-se um Rio de Janeiro quase parisiense, se a vista terminasse ali — no postal.
Mas, maldita altitude inebriante que nos rouba os detalhes! Do alto, a ilusão republicana era perfeita: não se viam os cortiços da Saúde, nem os barracos do Morro da Providência, nem os rostos sombrios dos que vivem sem postal, sem terno, sem chapéu. O progresso, meu caro, visto do alto, é uma senhora elegante que esconde os sapatos rasgados sob as saias.
Desci com o chapéu um pouco mais torto e o espírito mais cético. A Belle Époque, afinal, é bela apenas para quem a vê do mirante. No chão, continua-se pisando barro. E não há linho branco que resista.
● Imagem: Affonso, José dos Santos. Alto do Corcovado com o Mirante Chapéu do Sol, 1918. Instituto Moreira Salles
● Clique no link abaixo e ouça o chorinho "Pedacinhos do céu" de Waldir Azevedo. A música ilustra essa crônica:
https://youtu.be/Z7ZLAONdP2g?si=L1vIxZVaK69-54dm
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