Série crônicas: Cenas cariocas, o Rio como ele era! O mar de pedra!
O mar de pedra
Copacabana, 1955. Eis o espetáculo mais grandioso que a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro ousou encenar: um mar de pedras portuguesas a rivalizar com o mar de água salgada. Digo rivalizar, porque o calcadão — essa invenção de engenheiros que se crêem poetas — já não se contentava em ser chão. Era preciso ondular, serpentear, fingir-se oceano, como se a própria calçada tivesse ciúmes das águas.
E não pense o leitor que exagero. Perceba bem, o Atlântico resfolegando como sempre, infinito e salgado, os prédios erguidos em série, todos retos, severos, vigilantes, como se competissem entre si para ver quem faria mais sombra. Ao centro, o calcadão — esta língua de pedra que se quer poesia. O Rio, generoso, oferece duas praias ao passante: uma de espuma, outra de cimento. O cidadão escolhe se deseja molhar os pés ou apenas torcê-los numa das curvas do mosaico.
Ora, há nisso um triunfo da modernidade: o povo pode sentir-se marítimo sem molhar a barra das calças. Basta caminhar sobre as ondulações e já está imerso no oceano… simbólico. E que oceano! Sempre limpo, nunca revolto, não engole banhistas distraídos nem serve de cama a peixes mortos. Há, no máximo, um chiclete colado, um cigarro esmagado, e eis o drama náutico da calçada.
A praia, em 1955, ainda guarda certo pudor. Não é a passarela de biquínis ousados, nem o picadeiro de celebridades de ocasião. É apenas o cenário de uma cidade que insiste em se mostrar civilizada: prédios altos, calçada artística, um mar que se oferece como pano de fundo. O carioca, com seu espírito filosófico, passeia nesse teatro e imagina-se em Lisboa, quem sabe Veneza, mas sempre com os pés no Brasil.
O curioso, porém, é que o calcadão parece zombar do próprio mar. A cada onda de pedra, sussurra: “Vês? Posso imitar-te e não me desgasto.” O oceano responde com ressaca, mas é inútil: as pedras permanecem. A ironia maior é que, em Copacabana, o mar já não está só do lado de lá; está também sob os sapatos.
Assim, em 1955, o Rio inventou a praia duplicada. E o passante, sem saber, tornou-se marinheiro de pedra.
● Imagem: José Medeiros. Rio de Janeiro, Copacabana, Avenida Atlântica, 1955. Instituto Moreira Salles.
● Clique no link abaixo e ouça a canção "Copacabana" na voz inconfundível de Sarah Vaughan. A música ilustra essa crônica:
https://youtu.be/YBhy5IM6nJM?si=9ZoZ0xPZJAM2CBdC
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