Série crônicas: Cenas cariocas, o Rio como ele era! Dois Carros, Dois Irmãos e um país em espera
Dois Carros, Dois Irmãos e um país em espera
Ano de 1952, e o Rio de Janeiro, sempre mais vaidoso que prudente, desfilava como debutante em baile de gala. A cidade, vista aqui entre os Dois Irmãos e a Gávea — testemunhas pétreas do nosso eterno exibicionismo tropical —, parecia acreditar piamente que o futuro estava logo ali, estacionado entre dois automóveis pretos, fumegantes de pretensão, à beira do Atlântico. Automóveis, diga-se, que mais parecem dois burgueses contemplando o mar, debatendo qual deles conquistará primeiro a admiração de Copacabana.
Vargas voltara ao poder no ano anterior e, como todo retorno triunfal, trazia debaixo do braço promessas de prosperidade e sorrisos patrióticos. O Brasil, esse eterno otimista de calça curta, voltava a acreditar no progresso como quem aposta no cavalo errado e ainda pede mais uma ficha para o próximo páreo. E o Rio, naturalmente, vervilhava: chanchadas a arrastar multidões para as salas escuras, onde os risos eram tão baratos quanto os ingressos. Ria-se de tudo, inclusive da própria desgraça, mas sem nunca desconfiar que o riso também é uma forma de anestesia.
Nos teatros, produzia-se em demasia, como quem deseja cobrir o Sol da realidade com a cortina de veludo. A música, sempre ela, diversificava-se em tons empolgantes, compondo trilha para esse espetáculo de ilusões. E, se o futebol já não chorava a tragédia do Maracanazo de 1950, é porque o brasileiro — esse homem que não se cansa de reinventar a esperança — tinha aprendido a esquecer rápido, mais rápido até do que marca um gol.
E o samba, o samba! Ele insistia em invadir os salões e os ouvidos, muito embora a elite franzisse o nariz, como quem fareja algo incômodo no ar. Mas, apesar do desdém dos salões da Zona Sul, era impossível negar que o batuque estava entranhado na cidade, tão inevitável quanto o calor do verão.
Como numa fotografia congelada do Arpoador, não posso deixar de pensar que a paisagem continua a mesma, mas o cenário humano, este sim, muda sempre: presidentes que voltam, promessas que se repetem, ilusões que estacionam na beira da praia, emolduradas por carros pretensamente modernos. O Rio, afinal, é especialista em viver de espetáculo.
● Imagem: José Medeiros. Praia do Arpoador, a Pedra da Gávea, o Morro Dois Irmãos e as praias de lpanema e Leblon. Instituto Moreira Salles
● Clique no link abaixo e ouça a canção "Nem eu" na voz de Lúcio Alves. A música ilustra essa crônica:
https://youtu.be/RdFpyOz1jw0?si=X5pzqdq8m48hf1xi
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