Série crônicas: Cenas cariocas, o Rio como ele era! Dois Carros, Dois Irmãos e um país em espera


Não é raro que, em tardes de lassidão, eu me veja a conversar com fotografias. Sim, leitor, com fotografias. Essas senhoras silenciosas e vaidosas que, embora sem fala, dizem muito mais que muitos homens. E que mais dizem quando são do Rio antigo, essa cidade que já foi menina com trança, senhora com sombrinha e agora desfila, em certos trechos, como viúva de si mesma.

Este blog — que não pretende ser tratado acadêmico nem almanaque de curiosidades — oferece-lhe, com modéstia e alguma audácia, uma coleção de crônicas breves, todas inspiradas em retratos do outrora. São imagens, mas bem poderiam ser fantasmas. Há nelas uma ironia muda, um suspiro escondido, uma rua que já não é rua, mas memória.

Cada texto é um copo d’água do tempo, servido com duas pedras de sarcasmo e uma rodela de saudade. Há figuras conhecidas e outras anônimas, todas fixadas na eternidade de um instante que já passou. O que ofereço é apenas um olhar torto, talvez melancólico, talvez maroto, sobre aquilo que chamamos de “Rio Antigo” — e que, se olharmos bem, ainda nos espia pelas frestas da modernidade.

Leitor curioso, que tenhas olhos não apenas para o que foi, mas para o que permanece sob o disfarce do presente. Boa leitura!


Dois Carros, Dois Irmãos e um país em espera

Ano de 1952, e o Rio de Janeiro, sempre mais vaidoso que prudente, desfilava como debutante em baile de gala. A cidade, vista aqui entre os Dois Irmãos e a Gávea — testemunhas pétreas do nosso eterno exibicionismo tropical —, parecia acreditar piamente que o futuro estava logo ali, estacionado entre dois automóveis pretos, fumegantes de pretensão, à beira do Atlântico. Automóveis, diga-se, que mais parecem dois burgueses contemplando o mar, debatendo qual deles conquistará primeiro a admiração de Copacabana.

Vargas voltara ao poder no ano anterior e, como todo retorno triunfal, trazia debaixo do braço promessas de prosperidade e sorrisos patrióticos. O Brasil, esse eterno otimista de calça curta, voltava a acreditar no progresso como quem aposta no cavalo errado e ainda pede mais uma ficha para o próximo páreo. E o Rio, naturalmente, vervilhava: chanchadas a arrastar multidões para as salas escuras, onde os risos eram tão baratos quanto os ingressos. Ria-se de tudo, inclusive da própria desgraça, mas sem nunca desconfiar que o riso também é uma forma de anestesia.

Nos teatros, produzia-se em demasia, como quem deseja cobrir o Sol da realidade com a cortina de veludo. A música, sempre ela, diversificava-se em tons empolgantes, compondo trilha para esse espetáculo de ilusões. E, se o futebol já não chorava a tragédia do Maracanazo de 1950, é porque o brasileiro — esse homem que não se cansa de reinventar a esperança — tinha aprendido a esquecer rápido, mais rápido até do que marca um gol.

E o samba, o samba! Ele insistia em invadir os salões e os ouvidos, muito embora a elite franzisse o nariz, como quem fareja algo incômodo no ar. Mas, apesar do desdém dos salões da Zona Sul, era impossível negar que o batuque estava entranhado na cidade, tão inevitável quanto o calor do verão.

Como numa fotografia congelada do Arpoador, não posso deixar de pensar que a paisagem continua a mesma, mas o cenário humano, este sim, muda sempre: presidentes que voltam, promessas que se repetem, ilusões que estacionam na beira da praia, emolduradas por carros pretensamente modernos. O Rio, afinal, é especialista em viver de espetáculo.


● Imagem: José Medeiros. Praia do Arpoador, a Pedra da Gávea, o Morro Dois Irmãos e as praias de lpanema e Leblon. Instituto Moreira Salles

● Clique no link abaixo e ouça a canção "Nem eu" na voz de Lúcio Alves. A música ilustra essa crônica:

https://youtu.be/RdFpyOz1jw0?si=X5pzqdq8m48hf1xi


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Muito obrigado, com apreço.









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