O Tambor: História, Cultura e Humanidade



Introdução

Poucos objetos da história da humanidade carregam em si tanta ancestralidade, simbolismo e universalidade quanto o tambor. Desde os primeiros sons produzidos por troncos ocos até os elaborados instrumentos de percussão utilizados nas mais sofisticadas orquestras contemporâneas, o tambor se confunde com a própria trajetória do homem sobre a Terra. Ele está presente nas florestas da África, nos desertos do Oriente Médio, nos templos da Ásia, nas aldeias indígenas das Américas e nas modernas cidades globais.

O tambor é, ao mesmo tempo, primitivo e atual. Em sua batida, carrega a pulsação da vida, a cadência do coração humano, a energia da guerra, a vibração da festa e o silêncio transformado em som.

Este texto busca percorrer a longa jornada do tambor, desde suas origens pré-históricas até sua presença contemporânea, passando pelas diversas culturas, funções sociais, mitologias e inovações que moldaram sua trajetória.


1. Origens Pré-Históricas do Tambor

1.1 Os primeiros sons da Terra

É impossível determinar com exatidão quando o ser humano produziu o primeiro som que pode ser reconhecido como música. Contudo, estudiosos da arqueomusicologia sugerem que o tambor — ou pelo menos um protótipo dele — esteve entre os primeiros instrumentos sonoros criados pela humanidade.

Na Pré-História, os homens primitivos descobriram que troncos ocos, quando golpeados com as mãos, pés ou galhos, emitiam sons graves e ressonantes. Essa descoberta simples estabeleceu a base do que seria, mais tarde, o tambor.

1.2 Da natureza ao ritual

O som produzido por um tronco oco não era apenas um acaso: ele se assemelhava à cadência dos trovões, à reverberação do coração humano, à própria pulsação da vida. É provável que esses primeiros sons tenham adquirido caráter mágico e ritualístico. Golpear a madeira podia significar invocar deuses, afugentar espíritos, chamar a tribo para a caça ou celebrar a colheita.

Com o tempo, os grupos humanos perceberam que ao esticar a pele de animais caçados sobre a madeira, poderiam obter sons mais variados e intensos. A invenção da membrana tensionada — a essência do tambor — representou um salto cultural.


2. O Tambor na Antiguidade

2.1 Egito: a percussão dos faraós

No Antigo Egito, o tambor já era instrumento consolidado. Representações em murais mostram sua presença em cerimônias religiosas, procissões e celebrações da corte. Os egípcios utilizavam tambores cilíndricos, alguns recobertos por pele de cabra, e acreditavam que seu som estabelecia contato com as divindades.

2.2 Grécia e Roma: do ritual à guerra

Na Grécia, embora a lira e a flauta fossem mais prestigiadas, o tambor também desempenhou papel em rituais dionisíacos, marcando o ritmo das danças extáticas. Já em Roma, o tambor ganhou protagonismo militar: os exércitos usavam grandes tambores para coordenar marchas e intimidar inimigos.

2.3 Oriente Médio e Ásia

No Crescente Fértil e na Mesopotâmia, tambores eram empregados em rituais religiosos. Na Índia, o tambor assumiu funções sagradas: o tabla e o mridangam são instrumentos associados ao hinduísmo, ao budismo e à dança clássica indiana. Na China, o tambor era símbolo de autoridade e poder: tocar o tambor imperial podia anunciar guerras ou celebrar vitórias.


3. Expansão Mundial

3.1 África: o coração do tambor

Se há um continente onde o tambor assume protagonismo absoluto, esse lugar é a África. Lá, ele não é apenas instrumento musical, mas meio de comunicação, memória coletiva e espiritualidade.

Os tambores africanos variam em tamanho, forma e função:

* O djembe, originário da região oeste, é usado em ritos comunitários e possui som versátil.

* O talking drum, capaz de imitar a entonação da voz humana, servia para transmitir mensagens a longas distâncias.

* O ngoma, na África central, está ligado a cerimônias de cura.

Para muitos povos, o tambor é sagrado: acredita-se que nele residem espíritos ancestrais, e que o seu som estabelece diálogo entre vivos e mortos.

3.2 Américas: entre indígenas e africanos escravizados

Nas Américas pré-colombianas, povos como os maias, astecas e incas utilizavam tambores em rituais religiosos. O *huehuetl* asteca, por exemplo, era um grande tambor de madeira esculpida, tocado em cerimônias ligadas aos deuses.

Com a chegada dos africanos escravizados, o tambor se tornou símbolo de resistência cultural. No Brasil, deu origem a manifestações como o candomblé, o maracatu, o tambor de crioula e a capoeira. Em Cuba, os tambores batá são essenciais para a santeria.

3.3 Europa: inovação e orquestra

Na Idade Média europeia, tambores eram usados em exércitos, marcando o compasso das marchas. No Renascimento e no Barroco, passaram a integrar conjuntos musicais, ganhando sofisticação técnica. O tímpano, por exemplo, tornou-se indispensável nas grandes orquestras sinfônicas.


4. Funções e Contextos do Tambor

4.1 Religião e espiritualidade

Em diferentes culturas, o tambor é ponte entre o humano e o divino. No xamanismo siberiano, o som do tambor conduz à transe espiritual. No candomblé, os atabaques invocam orixás. Entre indígenas norte-americanos, o tambor é chamado de “coração da Mãe Terra”.

4.2 Ritos e celebrações

O tambor marca momentos decisivos da vida coletiva: nascimentos, casamentos, funerais, colheitas e guerras. Ele é presença constante em carnavais, festas populares, procissões religiosas e eventos esportivos.

4.3 Expressão cultural

No Brasil, a força do tambor é notável. O tambor de crioula do Maranhão, reconhecido como patrimônio imaterial, expressa tanto a herança africana quanto a criatividade local. O samba, nascido no Rio de Janeiro, é impensável sem a percussão.


5. Influências e Diversidade

5.1 Mitologias do tambor

Em muitos lugares, o tambor é envolto em lendas. No Maranhão, relaciona-se a São Benedito. Na África, há mitos que afirmam que o tambor nasceu do coração de uma árvore sagrada. No Japão, o *taiko* está ligado a narrativas de deuses guerreiros.

5.2 Adaptação e inovação

A história do tambor também é de transformação. Povos africanos reinventaram-no na diáspora. Árabes difundiram pandeiros e darbukas. Europeus criaram novas formas, que culminaram na bateria moderna do século XX, invenção que reuniu tambores de diferentes tradições em um único conjunto.

5.3 O tambor no mundo contemporâneo

Hoje, o tambor é universal: aparece em orquestras, bandas de rock, rituais religiosos, festas populares, escolas de samba e produções eletrônicas. Ele conecta passado e presente, tradição e modernidade.


6. O Tambor como Linguagem Universal

O tambor não é apenas som, mas linguagem. Em aldeias africanas, servia para transmitir mensagens codificadas. Entre povos indígenas, contava histórias mitológicas. Nas metrópoles atuais, ainda traduz sentimentos coletivos: alegria, luto, protesto ou celebração.


7. O Tambor no Brasil

Nenhum país sintetiza tanto a trajetória do tambor quanto o Brasil. Aqui, ele se mistura a tradições indígenas, africanas e europeias, originando manifestações únicas:

* Candomblé: atabaques que comunicam com os orixás.

* Maracatu: batidas que remetem a reis africanos.

* Capoeira: ritmo marcado pelo atabaque e pandeiro.

* Escolas de samba: apoteose da percussão.

O tambor é, no Brasil, identidade e resistência.

7.1 O tambor nas festas populares do folclore brasileiro

Nas veredas do Brasil profundo, o tambor é mais que um instrumento: é voz, memória e coração pulsante das festas populares. Desde os batuques herdados dos povos africanos até os toques que ecoam nas rezas de origem indígena, o tambor estabelece pontes invisíveis entre o sagrado e o profano. Seu rufar marca o compasso das celebrações que atravessam séculos, resistindo às transformações sociais e às tentativas de silenciamento cultural.

No Congado e na Folia de Reis, por exemplo, o tambor acompanha cânticos religiosos que celebram devoção e identidade coletiva. Já nas festas de maracatu, especialmente em Pernambuco, o baque virado dos tambores dita o ritmo da corte real afro-brasileira, onde rei, rainha e vassalos desfilam em cores e energia. No Tambor de Crioula do Maranhão, o instrumento guia a dança circular em que corpos femininos rodopiam com graça, celebrando São Benedito e a ancestralidade negra.

O tambor também aparece no Bumba meu boi, festa que mistura teatro, música e dança em uma narrativa popular marcada pela batida contagiante. Em todos esses contextos, o tambor não é mero acompanhamento, mas entidade viva, capaz de carregar histórias, crenças e afetos.

O Jongo, expressão cultural de matriz africana presente sobretudo no Sudeste brasileiro, tem no tambor sua essência e força vital. Conhecido como candongueiro ou tambor de jongo, ele guia a dança, o canto e a improvisação dos jongueiros. O toque do tambor invoca ancestralidade, conduz os corpos em roda e estabelece diálogo entre passado e presente. Mais que instrumento, o tambor é veículo de memória, espiritualidade e resistência, transmitindo saberes orais e fortalecendo laços comunitários. No Jongo, cada batida ecoa a história de luta dos africanos escravizados e mantém viva a herança cultural negra no Brasil.

Assim, a presença do tambor nas festas folclóricas brasileiras reafirma sua função de guardião cultural: ele mantém vivas as tradições, une comunidades e traduz, em som, a diversidade de um país forjado no encontro de matrizes africanas, indígenas e europeias. Cada batida é, ao mesmo tempo, celebração e resistência, revelando que o tambor é a alma sonora do Brasil.

7.2 O tambor no Carnaval do Brasil

Se nas festas populares o tambor é memória ancestral, no Carnaval brasileiro ele se transforma em motor de alegria coletiva. O rufar dos tambores conduz multidões nas ruas, nos blocos e nas avenidas, ditando o compasso do maior espetáculo popular do país. Do batuque simples às batidas orquestradas de centenas de ritmistas, o tambor é o coração da festa.

Nos blocos carnavalescos, especialmente os de tradição afro como o Ilê Aiyê e o Olodum, os tambores têm protagonismo absoluto. A batida marcada cria identidade sonora e carrega mensagens de resistência cultural e afirmação negra. O chamado “samba-reggae” da Bahia, por exemplo, nasceu da potência dos tambores, transformando-se em símbolo da musicalidade carnavalesca do Nordeste.

Nas Escolas de Samba do Rio de Janeiro e de São Paulo, o tambor ganha organização em escala monumental. A “bateria” é composta por instrumentos de percussão variados, mas o tambor em suas formas – surdos, repiques e tamborins – é quem define o andamento do desfile. O surdo marca o coração da escola, enquanto repiques e tamborins criam variações que encantam jurados e plateia. Sem o tambor, não há samba que resista.

O tambor no Carnaval é, portanto, mais que ritmo: é identidade coletiva, unindo ritmistas, passistas e foliões em uma só vibração. Ele transforma as ruas em palcos e as pessoas em protagonistas da festa. Cada batida ecoa não apenas como música, mas como expressão cultural de pertencimento e liberdade. No Carnaval, o tambor não acompanha: ele comanda.


Conclusão

A história do tambor é, em última análise, a história da própria humanidade. Ele acompanhou o homem desde os tempos em que se buscava entender os trovões até o presente, em que marca o compasso das grandes cidades.

Mais do que instrumento, é símbolo: da vida, da morte, da festa, da luta, da fé, da comunicação. Em cada batida, ecoa a pulsação universal do coração humano.


Indicação de leituras: 

● História dos Instrumentos de Percussão por Ney Rosauro. Disponível em: https://www.neyrosauro.com/works/historia-dos-instrumentos-de-percussao/

● A História do Tambor por Tom Nascimento

● A música no candomblé: etnomusicologia no Ilê Axé Opô Aganjú, Bahia por Angela Lühning

● Fundamentos da Percussão: História, Instrumentos e Ritmos Brasileiros por Leonardo Gorosito

● O Som e o Sentido por José Miguel Wisnick


Nota: 

● Em 2009, o G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro consagrou-se campeão do Carnaval carioca com o enredo “Tambor”, desenvolvido pelo carnavalesco Renato Lage. A escola celebrou a força da cultura africana e destacou o tambor como instrumento ancestral de comunicação, espiritualidade, arte e inclusão social. O desfile marcou a quebra de um jejum de 16 anos sem títulos, coroando o Salgueiro com sua nona vitória no Grupo Especial. A apresentação impressionou pela grandiosidade plástica e pelo vigor da “furiosa bateria”, que exaltou o repique, o tamborim, o surdo, a caixa e o pandeiro. Mais que espetáculo, o enredo resgatou a importância dos rituais e crenças africanas presentes na história do samba, associando o tambor à magia, à força e à alegria do povo. Com samba-enredo assinado por Tatiana Leite, Paulo Shell, Moisés Santiago e Leandro Costa, o Salgueiro reafirmou sua identidade: um tambor que ecoa resistência, esperança e transformação. Ouça o samba enredo clicando no link: https://youtu.be/O6KIDAqg-GA?si=xy6Ys7RN5n_YBH_r


● A letra do samba-enredo:

Samba-Enredo 2009 - Tambor

G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro (RJ)


Vem no tambor da Academia

Que a furiosa bateria vai te arrepiar

Repique, tamborim, surdo, caixa e pandeiro

Salve os mestres do Salgueiro

Vem no tambor da Academia

Que a furiosa bateria vai te arrepiar

Repique, tamborim, surdo, caixa e pandeiro

Salve os mestres do Salgueiro


O som do meu tambor ecoa, ecoa pelo ar

E faz o meu coração com emoção pulsar

Invade a alma, alucina

É vida, força e vibração

Vai, meu Salgueiro, Salgueiro

Esquenta o couro da paixão


Ressoou da natureza

Primitiva comunicação

Da África, dos nossos ancestrais

Dos deuses nos toques, rituais

Nas civilizações, cultura

Arte, mito, crença e cura


Tem batuque, tem magia, tem axé

O poder que contagia quem tem fé

Na ginga do corpo emana alegria

Desperta toda energia


Tem batuque, tem magia, tem axé

O poder que contagia quem tem fé

Na ginga do corpo emana alegria

Desperta toda energia


No folclore, a herança

No canto, na dança, é festa, é popular

Seu ritmo encanta, envolve, levanta

E o povo quer dançar


É de lata, é da comunidade

Batidas que fascinam

Esperança social, transforma, ensina

Ao mundo, o meu toque especial é show

É show, é samba, é carnaval


Vem no tambor da Academia

Que a furiosa bateria vai te arrepiar

Repique, tamborim, surdo, caixa e pandeiro

Salve os mestres do Salgueiro


Vem no tambor da Academia

Que a furiosa bateria vai te arrepiar

Repique, tamborim, surdo, caixa e pandeiro

Salve os mestres do Salgueiro


O som do meu tambor ecoa, ecoa pelo ar

E faz o meu coração com emoção pulsar

Invade a alma, alucina

É vida, força e vibração

Vai, meu Salgueiro, Salgueiro

Esquenta o couro da paixão


Ressoou da natureza

Primitiva comunicação

Da África, dos nossos ancestrais

Dos deuses nos toques, rituais

Nas civilizações, cultura

Arte, mito, crença e cura


Tem batuque, tem magia, tem axé

O poder que contagia quem tem fé

Na ginga do corpo emana alegria

Desperta toda energia


Tem batuque, tem magia, tem axé

O poder que contagia quem tem fé

Na ginga do corpo emana alegria

Desperta toda energia


No folclore, a herança

No canto, na dança, é festa, é popular

Seu ritmo encanta, envolve, levanta

E o povo quer dançar


É de lata, é da comunidade

Batidas que fascinam

Esperança social, transforma, ensina

Ao mundo, o meu toque especial é show

É show, é samba, é carnaval


Vem no tambor da Academia

Que a furiosa bateria vai te arrepiar

Repique, tamborim, surdo, caixa e pandeiro

Salve os mestres do Salgueiro


Vem no tambor da Academia

Que a furiosa bateria vai te arrepiar

Repique, tamborim, surdo, caixa e pandeiro

Salve os mestres do Salgueiro


● Assista ao desfile de 2009 da Acadêmicos do Salgueiro clicando no link: 

https://youtu.be/HkNf5IcJUY0?si=Do2Y4Bnw5qZZgknX


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