A paz está no DNA


O conflito entre o Estado de Israele e os grupos Hamas e Hezbollah tem diferentes narrativas, que tornam a paz cada vez mais distante. Entender e valorizar a ancestrali- dade de judeus e árabes poderia ser um pas- so para minimizar este distanciamento.

A composição da população atual de Israel é consequência de uma longa história de emi- grações, imigrações, perseguições, conquistas e casamento entre si. Além de judeus de diversas nacionalidades, o país também abriga mais de 2 milhões de pessoas que não são judias, principalmente árabes israelenses, que representam 20% da população, em sua grande maioria muçulmanos.

Já os palestinos a princípio têm ancestralidade árabe, principalmente da Jordânia, Egito, Arábia Saudita e Líbano. Mas acredita-se que uma parcela considerável tenha anteriormente ancestralidade judaica, após a conversão gradual dos judeus do Império Romano Bizantino ao catolicismo, começando no século IV d.C, e, subsequentemente, ao isla- mismo, a partir do século VII d.C., com as conquistas do Império Árabe Islâmico.

Ao analisar o DNA de judeus que vive matualmente em várias partes do mundo e em Israel, vários pesquisadores demonstraram inequivocamente que praticamente todos têm origem em comum no Sul do Levante, uma área que inclui atualmente Israel, Jordânia, Líbano, Autoridade Palestina e sudoeste da Síria, com diferentes graus de miscigenação com os povos que os receberam na diáspora. A análise de DNA dos palestinos também demonstra a origem no Levante.

Mais do que isso, é interessante a comparação do DNA entre judeus e palestinos contemporâneos. Pesquisas coordenadas por Almut Nebel e Ariella Oppenheim demonstraram que uma porção substancial dos cromossomos Y dos judeus e dos árabes muçulmanos palestinos pertencem ao mesmo pool genético. Analisando as diferenças genéticas entre eles foi possível estimar o ancestral em comum de ambos os povos.

Esses estudos, coordenados principalmente pelo pesquisador Anatole A. Klyosov, apontam para um ancestral em comum entre judeus e palestinos cerca de quatro mil anos atrás. Pela Bíblia, judeus são os descendentes de Abrão e seu filho Isaac. Já os árabes, e por consequência a maioria dos palestinos, são descendentes de Abrão e seu filho Ishmael.

Mais recentemente essas estimativas de ancestralidade por análise do DNA sofreram um "upgrade", com a possibilidade de analisar o DNA de fósseis, permitindo comparar não apenas o DNA de povos contem- porâneos entre si, mas também com o de possíveis ancestrais que viveram há milênios. Este novo ramo da genética, a paleontogenética, já propiciou a análise de dezenas de fosseis humanos que viveram no Levante há milênios, sendo que o dado mais recente é de 2020 e vem do trabalho da equipe da pesquisadora Lili Agramat-Tamir. Nesse estudo, foi comparado o DNA de 1.663 pessoas vivas, com o de 71 fósseis huma- nos provenientes de cinco sítios arqueológicos datados da Idade do Bronze (3.500 a.C.-1.150 a.C.) e que quando eram vivos habitavam o sul do Levante. Os resultados demonstram que populações modernas relacionadas ao antigo Levante, incluindo a grande maioria dos atuais grupos judaicos e de língua árabe levantina, tem 50% ou mais de sua ancestralidade relacionadas a povos que viveram na região no mínimo já na Idade do Bronze.

Essas informações indicam um grau notável de continuidade ancestral em judeus e árabes, e raízes genéticas no Oriente Médio, apesar da longa separação e da ampla dispersão geográfica de parte dos judeus. Assim como a dupla hélice de DNA, cujas fitas são semelhantes mas não iguais, esperamos que um dia, na profundeza do que cada povo tem de maisúnico, o seu genoma, judeus e palestinos reencontrem o caminho da coexistência, do qual tristemente se separaram. Shalom! Salam!

Fonte: Artigo escrito por Salmo Raskin, médico geneticista. Ele é diretor do Genetika, Centro de Aconselhamento e Laboratório de Genética na cidade de Curitiba no estado do Paraná. Publicado através do jornal O Globo no blog Receita de Médico em 03 de fevereiro de 2024.   

Disponível: oglobo.globo.com/blogs/receita-de-medico/post/2024/02/a-paz-esta-no-dna.ghtml

Comentários

  1. Anônimo6/2/24 05:26

    Ótimo artigo meu amigo, definição perfeita e suscinta, Obrigada! Hosana

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Agradecemos o seu comentário. Isto nos ajuda no desenvolvimento deste blog.

Postagens mais visitadas