A Conferência de Wannsee




Pensando numa melhor compreensão dos acontecimentos, é necessário posicionar o leitor na conjuntura histórica. Antes da Conferência de Waansee, tivemos eventos sinistros que indicavam as interações nazistas. Um deles, sem dúvidas, foi a Noite dos Cristais. Vamos aos fatos.

A Noite dos Cristais, conhecida em alemão como Kristallnacht, foi um dos acontecimentos mais terríveis e marcantes do regime nazista durante o período que antecedeu o Holocausto. Este evento, decorrido entre os dias 9 e 10 de novembro de 1938, marcou um momento crucial na escalada da perseguição aos judeus na Alemanha e Áustria.

Antecedentes Históricos:

Para entender a importância da Noite dos Cristais, é essencial contextualizar o clima político e social na Alemanha nazista na época. Desde a ascensão de Adolf Hitler ao poder em 1933, os judeus foram alvos de crescente discriminação e perseguição por parte do regime nazista. Leis antissemitas foram promulgadas, restringindo os direitos e liberdades dos judeus e excluindo-os da vida pública, econômica e social.

O Evento:

A Noite dos Cristais teve início após o assassinato de Ernst vom Rath, um diplomata alemão em Paris, por um jovem judeu polonês chamado Herschel Grynszpan. O regime nazista aproveitou esse incidente como pretexto para desencadear uma onda de violência indiscriminada contra os judeus.

Durante a noite de 9 de novembro de 1938, multidões organizadas de membros das SA (Sturmabteilung) e SS (Schutzstaffel), apoiadas pela polícia e por civis simpatizantes nazistas, atacaram lojas, casas, sinagogas e propriedades judaicas em toda a Alemanha e Áustria. Janelas foram quebradas, lojas foram saqueadas e incendiadas, e muitos judeus foram espancados, torturados e mortos.

O nome "Noite dos Cristais" deriva da grande quantidade de vidro quebrado que cobriu as ruas das cidades alemãs após os ataques. O termo também faz alusão aos vitrais das sinagogas, muitos dos quais foram destruídos durante os tumultos.

Consequências:

A Noite dos Cristais marcou um ponto de virada na perseguição aos judeus na Alemanha nazista. Após o evento, as autoridades nazistas intensificaram ainda mais as restrições e medidas discriminatórias contra os judeus. Milhares de judeus foram presos e enviados para campos de concentração, e muitos outros optaram por fugir do país para escapar da crescente violência e opressão.

Além das consequências imediatas para a comunidade judaica, a Noite dos Cristais teve um impacto significativo na percepção internacional do regime nazista. A brutalidade dos ataques chocou o mundo e despertou uma condenação generalizada da política antissemita do regime hitlerista.

Legado:

A Noite dos Cristais marcou o início de uma escalada dramática na perseguição aos judeus e foi um prenúncio sombrio do que estava por vir com o Holocausto. O evento serve como um lembrete poderoso dos perigos do ódio, intolerância e discriminação, e destaca a importância de resistir à injustiça e defender os direitos humanos e a dignidade de todas as pessoas. Entrou para a história como um dos momentos mais sombrios da existência humana, quando o ódio e a violência foram direcionados contra uma comunidade inteira com base em sua religião e identidade. 

A Conferência de Wannsee, realizada em janeiro de 1942, marca um dos momentos mais sombrios da história mundial: o planejamento oficial e a coordenação da "Solução Final" para a questão judaica durante o regime nazista na Alemanha. Neste texto, vamos explorar em detalhes esse episódio histórico que teve repercussões devastadoras para milhões de pessoas.

Contexto Histórico:

Para compreender a importância da Conferência de Wannsee, é crucial entender o contexto histórico em que ela ocorreu. Durante a ascensão do Partido Nazista ao poder na Alemanha, liderado por Adolf Hitler, os judeus tornaram-se alvos de intensa discriminação e perseguição. Leis antissemitas foram promulgadas, restringindo os direitos e liberdades básicas dos judeus, e campanhas de ódio foram disseminadas pela propaganda oficial do regime.

Com o início da Segunda Guerra Mundial em setembro de 1939, a perseguição aos judeus intensificou-se ainda mais. O regime nazista implementou políticas de segregação, confinamento em guetos e deportações em massa para campos de concentração e extermínio.

A Conferência de Wannsee:

A Conferência de Wannsee foi convocada em 20 de janeiro de 1942, à beira de um lago numa região nobre de Berlim conhecida por Wannsee. O objetivo do encontro era coordenar e finalizar os planos para a "Solução Final" da questão judaica na Europa ocupada pelos nazistas.

Participaram da conferência altos funcionários do governo nazista, das SS (Schutzstaffel) e do Partido Nazista, incluindo Reinhard Heydrich, chefe do Escritório Central de Segurança do Reich e um dos principais arquitetos do Holocausto, e Adolf Eichmann, que desempenhou um papel central na organização da deportação e extermínio dos judeus.

Durante a reunião, os participantes discutiram detalhes operacionais da "Solução Final", incluindo a logística da deportação em massa dos judeus para campos de extermínio na Polônia ocupada, como Auschwitz, Treblinka e Sobibor. Foi decidido que as SS seriam encarregadas da execução do programa de genocídio, com o apoio de outras agências governamentais e colaboradores locais. Segundo o historiador Antony Beevor, um dos mais importantes especialistas em Segunda Guerra Mundial:

"A abrangência do plano de Heydrich delineado na conferência de Wannsee, em janeiro de 1942, era de tirar o fôlego. Como confirmou um de seus colegas mais próximos, ele possuía “inteligência, uma ambição insaciável e uma energia desumana”.

A Solução Final pretendia afetar mais de 11 milhões de judeus, segundo os cálculos de Adolf Eichmann. A cifra incluía os habitantes de países neutros, como Turquia, Portugal e Irlanda, além da Grã-Bretanha, o inimigo invicto da Alemanha.

O fato de estas deliberações acontecerem a poucas semanas do revés sofrido pela Wehrmacht em Moscou e da entrada dos Estados Unidos na guerra sugere que a confiança dos nazistas na “vitória final” era inabalável ou que eles se sentiam impelidos a completar a “tarefa histórica” antes que outros reveses tornassem isto impossível. Provavelmente a resposta está em uma combinação dos dois. Certamente, a perspectiva da vitória no final do verão de 1941 contribuiu para a radicalização drástica da política nazista. Em um momento em que os acontecimentos mundiais chegavam a um ponto crítico, não havia como voltar atrás. Assim, a “Shoah pelas balas” avançou para a “Shoah pelo gás”.

Da mesma forma que o Plano da Fome e o tratamento dos prisioneiros de guerra soviéticos, a Solução Final tinha duplo propósito. Além de eliminar inimigos raciais e ideológicos, o outro objetivo era preservar o fornecimento de alimentos para os alemães. Isto era considerado muito urgente em virtude do grande número de trabalhadores estrangeiros levados para trabalhar no Reich. A própria Solução Final consistiria em um sistema paralelo de eliminação mediante o trabalho forçado e o assassinato imediato, realizado pela SS Totenkopfverbände (Unidades Caveira). Os únicos momentaneamente poupados seriam os judeus velhos ou preeminentes escolhidos para o gueto promocional de Theresienstadt, os trabalhadores com habilidades essenciais ou meio-judeus, e aqueles em casamentos mistos. Os seus destinos podiam ser decididos mais tarde.

O campo de extermínio de Chełmo (Kulmhof) já estava em operação e o campo de extermínio de Chełmo (Kulmhof) já estava em operação e logo vieram Bełzec e o complexo de Auschwitz-Birkenau. Em Chełmo foram usados caminhões de gás para matar judeus das cidades da região. 

Em janeiro de 1942, cerca de 4.400 ciganos trazidos da Áustria também foram levados para lá e mortos pelo gás. Os cadáveres foram enterrados na floresta por equipes de judeus vigiados pela Ordnungspolizei. Chełmo viria a ser o centro do extermínio em massa dos judeus ainda amontoados no gueto de Łódź, 55 quilômetros ao sul.

O campo de Bełzec, entre Lublin e Lvov, era considerado um passo adiante, pois tinha câmaras de gás construídas para receber monóxido de carbono de veículos estacionados do lado de fora. Após a matança teste de 150 judeus em janeiro, a morte por gás, principalmente de judeus galicianos, teve início em meados de março. O campo de Majdanek foi construído na periferia de Lublin. 

Auschwitz, ou Oswiecim na versão polonesa, fora uma cidade silesiana perto de Cracóvia, com quartéis de cavalaria do século XIX da época do Império Austro-Húngaro. Os quartéis foram tomados pela SS em 1940 para servir de campo para os prisioneiros de guerra poloneses. Ficou conhecido como Auschwitz I. Lá, em setembro de 1941, ocorreram os primeiros testes com Zyklon B — comprimidos de cianeto de hidrogênio projetados para matar insetos quando misturados à água pela produção de ácido cianídrico — em prisioneiros soviéticos e poloneses."

Repercussões e Consequências:

A Conferência de Wannsee representou a formalização e a institucionalização do genocídio dos judeus europeus sob o regime nazista. A partir desse momento, o extermínio em massa dos judeus tornou-se uma política oficial do Estado, com o objetivo declarado de eliminar completamente a presença judaica na Europa.

As consequências desse evento foram catastróficas. Milhões de judeus foram deportados para os campos de extermínio, onde foram sistematicamente assassinados em câmaras de gás ou por outros meios brutais. Famílias inteiras foram destruídas, comunidades judaicas foram aniquiladas e uma das maiores tragédias da história da humanidade se desenrolou diante dos olhos do mundo.

Legado e Memória:

A Conferência de Wannsee continua a ser um lembrete sombrio do extremismo e do mal que podem surgir quando o ódio e a intolerância são permitidos a florescer. Seu legado serve como um alerta para as gerações futuras sobre os perigos do antissemitismo, do racismo e do totalitarismo, e destaca a importância da vigilância constante na defesa dos direitos humanos e da dignidade de todas as pessoas.

Após a Conferência de Wannsee, os planos para a "Solução Final" foram implementados com brutal eficiência pelos nazistas. Milhões de judeus foram deportados de todas as partes da Europa ocupada para os campos de extermínio, onde enfrentaram condições desumanas e foram submetidos a um destino terrível nas câmaras de gás. Acerca do antissemitismo e o ódio que penetrou no povo alemão através de uma eficiente máquina de propaganda nazista que mentiu e subverteu a ordem sem nenhum pudor, a filósofa Hanna Arendt, autora do conceito "banalidade do mal", nos adverte:

"Muitos ainda julgam que a ideologia nazista girou em torno do antissemitismo por acaso, e que desse acaso nasceu política que a inflexivelmente visou perseguir finalmente, exterminar os judeus. O horror do mundo diante do resultado derradeiro, e, mais ainda, diante do seu efeito, constituído pelos sobreviventes sem lar e sem rafzes, deu à "questão judaica" a proeminência que ela passou a ocupar na vida política diária. O que os nazistas apresentaram como sua principal descoberta- o papel dos judeus na política mundial e o que propagavam como principal alvo - a perseguição dos judeus no mundo inteiro- foi considerado pela opinião pública mero pretexto interessante truque demagógico para conquistar as massas.

É bem compreensível que não se tenha levado a sério o que os próprios nazistas diziam. Provavelmente não existe aspecto da história contemporânea mais irritante e mais mistificador do que o fato de, entre tantas questões políticas vitais, ter cabido ao problema judaico, aparentemente insignificante e sem importância, a duvidosa honra de pôr em movimento toda uma máquina infernal. Tais discrepâncias entre a causa e o efeito constituem ultraje ao bom senso a tal ponto que as tentativas de explanar o antissemitismo parecem forjadas com o fito de salvar o equilíbrio mental dos que mantêm o senso de proporção e a esperança de conservar o juízo.

Uma dessas apressadas explicações identifica O antissemitismo com desenfreado nacionalismo e suas explosões de xenofobia. Mas, na verdade, O antissemitismo moderno crescia enquanto declinava o nacionalismo tradicional, tendo atingido seu clímax no momento em que o sistema europeu de Estados-nações, com seu precário equilíbrio de poder, entrara em colapso.

Os nazistas não eram meros nacionalistas. Sua propaganda nacionalista era dirigida aos simpatizantes e não aos membros convictos do partido. Ao contrário, este jamais se permitiu perder de vista o alvo político supranacional."

Os campos de extermínio, como Auschwitz-Birkenau, Treblinka, Sobibor, Belzec e Chelmno, tornaram-se símbolos de horror e sofrimento indescritíveis. Homens, mulheres e crianças foram separados ao chegar, muitas vezes sendo levados diretamente para as câmaras de gás sob a falsa promessa de que seriam tomados banhos. Suas pertences foram confiscados e suas identidades foram apagadas antes que fossem massacrados em um esforço para eliminar completamente qualquer vestígio da presença judaica na Europa.

Além dos judeus, outros grupos considerados indesejáveis pelos nazistas, como ciganos, homossexuais, comunistas, dissidentes políticos e pessoas com deficiência, também foram alvo do genocídio. O Holocausto foi um dos crimes mais atrozes e bem orquestrados da história, deixando um legado de dor e sofrimento que ressoa até os dias de hoje.

Apesar das tentativas dos nazistas de encobrir seus crimes e destruir as evidências dos campos de extermínio antes da derrota do Terceiro Reich, os horrores do Holocausto foram documentados por sobreviventes, testemunhas oculares e investigadores aliados. Os julgamentos de Nuremberg, que ocorreram após o fim da guerra, trouxeram à luz a verdade sobre os crimes nazistas e estabeleceram importantes precedentes legais para a responsabilidade individual por genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

Hoje, a Conferência de Wannsee e o Holocausto são lembrados através de museus, memoriais e obras de arte, literatura e cinema. O dever de lembrar e honrar as vítimas do Holocausto é fundamental para evitar que tais atrocidades se repitam no futuro. A educação sobre o Holocausto e a promoção dos valores de tolerância, compreensão e respeito mútuo são essenciais para construir um mundo mais justo e compassivo.

A Noite dos Cristais, Conferência de Wannsee e a "Solução Final" representam uma das páginas mais sombrias da história humana, lembrando-nos da capacidade do ser humano para o mal e da importância da vigilância constante na defesa dos direitos humanos e da dignidade de todas as pessoas.

Em conclusão, a Conferência de Wannsee é um marco na história do Holocausto e um símbolo da barbárie que foi perpetrada sob o regime nazista. Seu significado transcende o contexto histórico específico em que ocorreu e continua a ressoar como um lembrete solene das profundezas da depravação humana e da necessidade contínua de buscar justiça, compaixão e respeito mútuo em todo o mundo.


Indicações de leitura:


• Hitler, Volumes I e II por Joachim Fest


• A Segunda Guerra por Antony Beevor 


• As origens do Totalitarismo: Antissemitismo, imperialismo e totalitarismo por Hanna Arendt


Imagens:

1- Vista da Cerca de arame farpado que separava parte do gueto da Cracóvia do restante da cidade. Cracóvia, Polônia. Foto de data incerta.

2- Deportação do gueto de Cracóvia na ocasião em que o mesmo foi extinto. Cracóvia, Polônia, março de 1943.

3- Cartaz usado durante o boicote antissemita: “Ajudem a libertar a Alemanha do dinheiro judeu. Não comprem em lojas de judeus." Alemanha, 1933.

4- Judeus num campo de extermínio.

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