A Fabricação do Consentimento e o Poder da Publicidade Moderna





A expressão "fabricação do consentimento", cunhada por Walter Lippmann (1889-1974) em seu clássico livro Public Opinion (1922), remete a um conceito central para compreender como a opinião pública é moldada em sociedades modernas. Embora o termo tenha sido popularizado por Lippmann, sua essência já vinha sendo desenvolvida em um contexto histórico marcado pelo avanço da comunicação de massas e pela consolidação de democracias representativas. A ideia central é que as elites, utilizando-se de ferramentas de comunicação e propaganda, podem moldar a percepção das massas, orientando-as a pensar, agir ou consumir de determinada maneira.  

O Contexto Histórico da "Fabricação do Consentimento" 

A noção surge em uma época de profundas transformações políticas, econômicas e sociais. O início do século XX foi marcado pela Revolução Industrial, que acelerou a urbanização e o crescimento das cidades, e pelo advento de novas tecnologias de comunicação, como o rádio, os jornais de grande circulação e, posteriormente, o cinema.  

Ao mesmo tempo, o mundo testemunhava mudanças na forma de governar. As democracias representativas se consolidavam em várias partes do globo, mas enfrentavam o desafio de lidar com uma massa de eleitores que, para muitos, não possuíam conhecimento suficiente para tomar decisões políticas informadas. Lippmann, jornalista e pensador político norte-americano, preocupava-se com o papel que a opinião pública desempenhava em democracias. Para ele, a sociedade de massas era vulnerável à manipulação porque a maioria das pessoas não tinha acesso direto aos fatos ou uma compreensão profunda das questões políticas e econômicas.  

Esse cenário foi exacerbado pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando os governos, especialmente os dos Estados Unidos e do Reino Unido, utilizaram a propaganda de forma sistemática para mobilizar populações em apoio ao esforço de guerra. Foi durante esse período que as técnicas de comunicação persuasiva se consolidaram. Edward Bernays, sobrinho de Freud e um dos pais das Relações Públicas modernas, também influenciado pelas ideias de Lippmann, defendia que o uso estratégico da propaganda era essencial para manter a ordem social em democracias.  

O Papel da Propaganda e da Publicidade Moderna


O conceito de fabricação do consentimento transcendeu o âmbito político e encontrou terreno fértil no campo da publicidade e da propaganda comercial. No início do século XX, as indústrias estavam produzindo bens em escala nunca antes vista. A tarefa de vender esses produtos em massa exigiu o desenvolvimento de técnicas que apelassem diretamente aos desejos e emoções dos consumidores.  

Inspirados por Bernays, que adaptou os princípios psicanalíticos de Freud para a comunicação de massa, os publicitários começaram a explorar os desejos inconscientes das pessoas. A publicidade deixou de ser meramente informativa — como listar as qualidades técnicas de um produto — e passou a ser persuasiva, associando produtos a símbolos de status, felicidade, sucesso ou realização pessoal.  

Por exemplo, uma campanha publicitária não venderia apenas um carro; ela venderia liberdade, aventura ou sofisticação. Essa estratégia buscava construir narrativas em torno dos produtos, inserindo-os em histórias que apelassem às aspirações do público.  

A Propaganda na Política e a Sociedade de Massas

No campo político, a fabricação do consentimento tornou-se uma ferramenta fundamental para moldar a percepção pública em torno de questões complexas. Governos e corporações passaram a utilizar estratégias de comunicação para moldar o comportamento da sociedade, suavizando resistências a políticas ou promovendo interesses específicos.  

Um exemplo emblemático foi a propaganda durante a Segunda Guerra Mundial. Nos Estados Unidos, cartazes, filmes e programas de rádio incentivavam a população a apoiar o esforço de guerra, comprar títulos do Tesouro e aceitar racionamentos. Essas campanhas eram cuidadosamente elaboradas para criar um senso de unidade e propósito comum, mesmo entre populações diversas e frequentemente divididas.  

Após a guerra, o modelo de propaganda desenvolvido durante o conflito foi adaptado ao contexto da Guerra Fria. A fabricação do consentimento tornou-se um pilar das campanhas de ambos os lados, especialmente no contexto da luta ideológica entre capitalismo e comunismo. A propaganda anticomunista nos Estados Unidos, por exemplo, buscava associar o capitalismo à liberdade e ao progresso, enquanto os regimes comunistas promoviam a ideia de igualdade e justiça social.  

A "Fabricação do Consentimento" no Consumo de Massa 

No pós-guerra, a fabricação do consentimento encontrou seu auge na sociedade de consumo que emergiu nas décadas de 1950 e 1960. À medida que a economia crescia, a publicidade tornou-se um elemento central para estimular o consumo. Programas de televisão, revistas e jornais eram inundados por anúncios que prometiam transformar a vida das pessoas através da compra de produtos.  

O advento da televisão trouxe uma nova dimensão para a publicidade. Agora, era possível não apenas mostrar produtos, mas criar histórias emocionais ao redor deles. Um comercial de detergente mostrava uma mãe feliz e orgulhosa porque suas roupas estavam mais brancas; um anúncio de cigarro sugeria que fumar era a escolha de homens fortes e independentes.  

Os publicitários compreenderam que o segredo do sucesso estava em criar desejos e associar os produtos a valores culturais amplamente compartilhados. Não se tratava de vender sabão, mas de vender limpeza, cuidado e status.  

A Manipulação na Era Digital

A fabricação do consentimento ganhou novas proporções com o advento da internet e das redes sociais. Hoje, algoritmos avançados monitoram o comportamento dos usuários, coletando dados sobre seus interesses, hábitos e preferências. Essas informações são utilizadas para direcionar anúncios personalizados, tornando a propaganda mais eficaz do que nunca.  

Um exemplo emblemático é o uso de dados pessoais por empresas como Facebook e Google para moldar opiniões políticas. Nas eleições de 2016 nos Estados Unidos, a manipulação de dados foi amplamente documentada, com campanhas utilizando informações específicas para influenciar eleitores indecisos.  

Ao mesmo tempo, as redes sociais criaram um ambiente em que as pessoas são constantemente bombardeadas por mensagens publicitárias disfarçadas de conteúdo. Influenciadores digitais, por exemplo, promovem produtos de maneira sutil, muitas vezes sem revelar sua relação comercial com as marcas.  

O Impacto Social e Psicológico 

O impacto da fabricação do consentimento vai além do consumo e da política. Ao moldar os desejos e percepções das pessoas, a propaganda influencia a maneira como as pessoas se veem e se relacionam com os outros. Ela reforça padrões culturais, como os ideais de beleza, sucesso e felicidade, muitas vezes criando pressões sociais que levam a sentimentos de inadequação e ansiedade.  

Além disso, a fabricação do consentimento tem implicações para a democracia. Quando as opiniões públicas são moldadas por elites, a capacidade das pessoas de tomar decisões informadas é comprometida. O debate público torna-se um espetáculo, com questões complexas simplificadas em slogans e imagens.  

Conclusão: Reflexões sobre o Futuro

A fabricação do consentimento, como observada por Walter Lippmann, continua a ser um elemento central das sociedades contemporâneas. Seja no campo da política ou do consumo, as técnicas desenvolvidas ao longo do século XX evoluíram e se adaptaram às novas tecnologias, tornando-se ainda mais sofisticadas e invasivas.  

O desafio para o futuro é encontrar formas de resistir a essa manipulação. Isso exige uma população educada e crítica, capaz de questionar as narrativas que lhes são apresentadas. Exige também maior transparência por parte das empresas e governos, bem como uma regulamentação mais eficaz do uso de dados pessoais.  

Em última análise, a fabricação do consentimento nos lembra de que a liberdade de pensamento é uma conquista frágil. Ela precisa ser defendida constantemente, sob o risco de nos tornarmos reféns de narrativas cuidadosamente construídas para nos manter obedientes, consumistas e silenciosos.


Veja mais em: 

https://youtu.be/-Q0y_CK6oSI?si=DrIX13mpINZQWxfN

https://youtu.be/jCUouHTLWeg?si=wa274P-vKbvU6HM2


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