Carta Apostólica "Está na hora"do Papa Leão XIII ao Imperador do Brasil
A Carta Apostólica "Está na hora", escrita pelo Papa Leão XIII em 1889 e dirigida ao Imperador Dom Pedro II do Brasil, é um documento histórico que reflete as preocupações da Santa Sé com os rumos políticos e religiosos do Brasil no final do século XIX. Nessa época, o país passava por profundas transformações, incluindo a crescente secularização do Estado, as tensões entre a Igreja e o governo, e os movimentos que culminariam na Proclamação da República, ocorrida pouco depois da publicação da carta. Leão XIII, conhecido por seu magistério social e diplomático, buscou, por meio desse texto, orientar o monarca católico em um momento de crise, reafirmando os princípios da doutrina cristã e o papel da Igreja na sociedade.
O contexto histórico em que a carta foi escrita é fundamental para compreender sua importância. O Brasil, sob o reinado de Dom Pedro II, era a única monarquia das Américas e mantinha relações estreitas com a Santa Sé, especialmente após a assinatura do Concordata de 1858, que regulamentava as relações entre a Igreja e o Estado. No entanto, o final do século XIX foi marcado por pressões liberais e anticlericais, influenciadas por ideias positivistas e republicanas que questionavam o poder temporal da Igreja e defendiam a separação entre religião e política. Nesse cenário, Leão XIII, que já havia publicado encíclicas como Immortale Dei (1885) e Libertas (1888) sobre a relação entre a fé e as estruturas políticas, via com preocupação os ventos de mudança que ameaçavam a estabilidade da Igreja no Brasil.
A carta "Está na hora" aborda diretamente esses desafios, exortando o imperador a defender os interesses da fé católica e a resistir às influências que buscavam marginalizar a Igreja. Leão XIII lembra a Dom Pedro II sua responsabilidade como governante cristão, destacando que a verdadeira autoridade política deve estar em harmonia com os princípios morais ensinados pela religião. O Papa alerta para os perigos do secularismo e do liberalismo radical, que, em sua visão, poderiam levar à desordem social e ao enfraquecimento dos valores espirituais. Além disso, a carta reforça a ideia de que a monarquia, como instituição, deveria ser um baluarte da fé, protegendo a liberdade da Igreja e promovendo o bem comum segundo os ensinamentos cristãos.
Do ponto de vista eclesial, o documento também reflete a estratégia de Leão XIII de fortalecer o catolicismo em nações onde ele estava sob ameaça, seja por meio da diplomacia com governantes católicos, seja através de uma firme defesa doutrinal. O tom da carta é ao mesmo tempo paternal e urgente, mostrando que o Papa via no imperador brasileiro um aliado crucial em um momento em que as forças anticlericais ganhavam espaço. No entanto, a história mostrou que os apelos de Leão XIII não foram suficientes para evitar a queda da monarquia: em novembro de 1889, poucos meses após a publicação da carta, Dom Pedro II foi deposto, e o Brasil se tornou uma república, iniciando um novo capítulo nas relações entre Igreja e Estado.
Em suma, "Está na hora" é um testemunho significativo do esforço da Igreja Católica para influenciar os rumos políticos em um período de transição, destacando a tensão entre tradição e modernidade que marcou o século XIX. A carta não apenas revela a visão de Leão XIII sobre o papel da religião na sociedade, mas também serve como um registro das últimas tentativas de manter uma aliança entre o trono e o altar no Brasil. Sua análise permite compreender melhor as complexas dinâmicas entre religião, poder e mudança social em um dos momentos mais decisivos da história brasileira. A seguir, a carta Apostólica.
Leão XIII 256º Papa: de 1878 a 1903
19 de julho de 1889
Carta Apostólica ao Imperador do Brasil Está na hora, condenando a possibilidade de um direito concedido em princípio aos falsos cultos.
Carta Apostólica do Papa Leão XIII ao Imperador Dom Pedro II do Brasil.
"Majestade, chegou ao nosso conhecimento que, entre os vários projetos anunciados no programa do novo ministério brasileiro, há alguns que, tocando os interesses mais vitais da religião e rompendo o fio das tradições gloriosas deste Império, teriam o efeito, se fossem concretizados, de perturbar a paz das consciências, de enfraquecer o sentimento religioso nessas populações católicas ou de preparar um futuro cheio de perigos para a Igreja Católica, não menos do que para a sociedade civil. Queremos falar sobre liberdade de culto e educação e as disposições relacionadas a elas que, embora não declaradas abertamente na declaração pública do governo, não deixam dúvidas sobre sua qualidade e natureza.
Não é nossa intenção expor todos os argumentos contra a introdução desses projetos. Dirigindo-me a Vossa Majestade, cuja mente erudita e elevada é bem conhecida, bastará expor algumas das principais.
A liberdade de culto, considerada em sua relação com a sociedade, baseia-se no princípio de que o Estado, mesmo numa nação católica, não é obrigado a professar ou promover qualquer religião; ele deve permanecer indiferente ao olhar de todos e levá-lo em conta legalmente. Não se trata de uma questão de tolerância de facto, que, em determinadas circunstâncias, pode ser concedida às religiões dissidentes; mas sim o reconhecimento destes direitos que pertencem somente à única religião verdadeira, que Deus estabeleceu no mundo e designou por caracteres e sinais claros e precisos, para que todos a reconheçam como tal e a abracem. Assim também, tal liberdade coloca na mesma linha a verdade e o erro, a fé e a heresia, a Igreja de Jesus Cristo e qualquer instituição humana; estabelece uma separação deplorável e fatal entre a sociedade humana e Deus, seu Autor; isso finalmente leva às tristes consequências do indiferentismo do Estado em questões religiosas, ou, o que dá no mesmo, seu ateísmo.
Ninguém, de fato, pode razoavelmente negar que a comunidade civil, não menos que o homem individual, tem deveres para com Deus, seu Criador, seu legislador supremo e seu benfeitor atencioso. Romper todos os laços de sujeição e respeito ao Ser Supremo, recusar-se a honrar seu poder e sua autoridade soberana, desconsiderar os benefícios que a sociedade recebe dele é uma atitude condenada não apenas pela fé, mas pela razão e pelo sentimento comum dos próprios antigos pagãos, que colocavam na base de sua ordem pública e de seus empreendimentos civis e militares o culto à divindade de quem esperavam sua prosperidade e sua grandeza.
Mas seria supérfluo insistir nestas reflexões. Já em diversas ocasiões, em documentos oficiais dirigidos ao Mundo Católico, demonstramos quão errônea é a doutrina daqueles que, sob o sedutor nome da liberdade de culto, proclamam a apostasia legal da sociedade, afastando-a assim do seu Autor divino. O que você precisa ser avisado aqui é que tal liberdade é uma fonte de males incalculáveis para governos e povos. E, na verdade, desde o momento em que a religião prescreve que os cidadãos obedeçam ao poder legítimo, como ministro de Deus, e proíbe, por isso, todos aqueles movimentos sediciosos que podem perturbar a tranquilidade da ordem pública, é por demais evidente que o Estado que se declara indiferente em matéria de religião e dá solenemente prova de não a levar em conta, priva-se do mais poderoso elemento moral e acaba por se desligar do princípio verdadeiro e natural do qual o respeito, a fidelidade e o amor ao povo tiram toda a sua força. Ao contrário, violando assim os seus deveres mais sagrados para com Deus, o Estado não só renuncia a um meio muito eficaz de assegurar a obediência e o respeito dos seus cidadãos, mas acaba também por abalar aquele sentimento religioso de onde o povo tira força, resignação e conforto para suportar os sofrimentos e as misérias da vida, e ao mesmo tempo dá-lhe um exemplo tanto mais pernicioso quanto mais alta for a esfera de onde provém.
E não será necessário aqui salientar a Vossa Majestade que, especialmente na era atual, quando a necessidade da influência salutar da religião é sentida mais do que nunca, em face do progresso constante das desordens morais e sociais que agitam a sociedade, pode tornar-se supremamente perigoso e desastroso para o bem público inaugurar em um país católico um sistema que não pode ter outro resultado senão o de enfraquecer ou destruir, nas populações, a única restrição moral capaz de mantê-las no cumprimento de seu dever. – As nações que enveredam pelo caminho dessas inovações tiveram ou terão que deplorar o aumento progressivo da criminalidade, da discórdia, das revoltas, da instabilidade do poder e de todas as ruínas morais e materiais que sobre elas se acumulam. Homens sábios e imparciais devem, portanto, reconhecer, à luz de uma longa experiência, que um povo que perde o espírito religioso é um povo que caminha para a decadência e, consequentemente, o único meio de restaurá-lo à salvação encontra-se na ação benéfica da religião. Só ela, de facto, pode garantir eficazmente o respeito pelas leis e pela autoridade estabelecida; só ela desperta e sacode a consciência do homem, esse poder admirável que, recebido no fundo da alma, preside a todos os seus movimentos, os aprova ou os condena segundo as normas da justiça eterna, e dá à vontade força e coragem para fazer o bem.
Mas a outra liberdade, a da educação, não é, neste mesmo domínio social, menos fértil em consequências nefastas. De fato, ela concede às escolas ampla liberdade para desenvolver doutrinas de todos os tipos, sem exceção daquelas mais contrárias às verdades naturais e reveladas. Sob o falso pretexto da ciência, cujo progresso real nunca foi impedido, mas sempre foi poderosamente auxiliado pela fé, esses princípios fundamentais nos quais a moral, a justiça e a religião se baseiam são pisoteados e abertamente combatidos.
Assim, o Mestre se desvia de seu nobre papel, o de dar à sociedade homens não apenas educados , mas honestos, que pelo cumprimento exato de seu dever para com seus semelhantes, para com sua família e para com o Estado, contribuam para assegurar a felicidade pública. É assim também que, em vez de reprimir nas almas juvenis as sementes das paixões, do egoísmo, do orgulho, da avareza, e de fazer florescer nelas os sentimentos e as virtudes que caracterizam o bom filho, o bom pai, o bom cidadão, ela se tornará um instrumento de corrupção, deixando os jovens inexperientes no caminho da dúvida, do erro e da incredulidade, e depositando em seus corações as sementes de todas as tendências perniciosas. Estas consequências são tanto mais inevitáveis quanto, enquanto por um lado se abre a porta às opiniões mais monstruosas, por outro, uma vez admitido o princípio do livre exame, costuma-se entravar de mil maneiras a liberdade da Igreja e a sua legítima influência na educação da juventude.
Estas poucas e breves considerações serão suficientes, estamos certos, para mostrar a Vossa Majestade os males muito grandes que as reformas acima mencionadas poderiam dar origem, num país que preservou zelosamente até agora a preciosa herança da fé, e cujos habitantes são também fiéis às sagradas tradições dos seus pais.
Não pretendemos aprofundar as demais disposições adicionais mencionadas no programa do ministério; A fórmula a que se faz alusão é vaga e geral, e pode conter outras inovações perniciosas, entre as quais a mais perniciosa é a do chamado casamento civil e outras semelhantes. Mas preferimos acreditar que os homens chamados pela confiança soberana de Vossa Majestade para compartilhar a responsabilidade do poder compreenderão em sua sabedoria política quão útil é para um povo preservar intactas as preciosas vantagens da paz religiosa. Temos, acima de tudo, confiança de que Vossa Majestade, em sua alta penetração e em seu constante apego à religião católica, da qual não temos há muito tempo uma nova e luminosa prova na obra tão sábia e generosamente realizada de abolição da escravatura em seu império, jamais permitirá que as bases de uma legislação correspondente aos verdadeiros interesses do povo e da autoridade soberana que o governa sejam alteradas, e que se abra uma era de discórdia e de perturbações religiosas e sociais. Vossa Majestade, ao afastar esta desgraça do seu Império, contribuirá efetivamente para a sua prosperidade e invocará sobre si, sua augusta família e a nação brasileira as bênçãos do céu.
Com esta profunda convicção, transmitimos de todo o coração a Vossa Majestade e a toda a Família Imperial a Bênção Apostólica."
Nota: Corpo do texto retirado de Os Pontifícios Ensinamentos, Solesmes 1952, A Paz Interior das Nações, pp. 162–166. Introdução e conclusão, traduzidas com deepL (versão gratuita), do documento italiano. Disponível para consulta em:
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