Iranianos não são árabes: por que ainda confundimos povos tão diferentes?
Apesar de compartilharem a religião islâmica, iranianos e árabes pertencem a culturas, línguas e histórias distintas. Entenda por que essa confusão persiste no senso comum brasileiro e o que está por trás dela.
Embora muitas vezes confundidos no imaginário popular ocidental, iranianos e árabes pertencem a grupos étnicos, linguísticos e culturais distintos. O Irã é habitado majoritariamente por persas, um povo indo-europeu com raízes históricas milenares que remontam ao antigo Império Persa. Os árabes, por sua vez, são um povo semita cuja origem está na Península Arábica. No Irã, há apenas 2% de iranianos árabes.
A história dos iranianos começa muito antes do nome “Irã” existir nos mapas. Eles descendem de povos que migraram para a Ásia Central há três mil anos, formando as bases de um império que, em sua época de maior glória, se estendia por regiões que hoje pertencem ao Usbequistão, Turcomenistão, Afeganistão, Turquia, Paquistão, Iraque e, claro, o próprio Irã.
Até o século XX, o mundo ocidental conheceu o país como Pérsia – nome associado à antiga província de Pars, berço do império. Mas, em 1935, o governo adotou oficialmente o nome Irã, que em persa significa “terra dos arianos”, referência às origens étnicas de seu povo. Na prática, esse sempre foi o nome usado internamente. “Pérsia” era como os estrangeiros preferiam chamá-lo.
Os persas empilham avanços notáveis ao longo da história. Uma curiosidade fascinante sobre o antigo Império é que ele foi o primeiro a implementar um sistema de estradas imperiais e correio estatal para integrar seu vasto território. O mais famoso exemplo é a Estrada Real Persa, que ligava Susa (no atual Irã) a Sardes (na atual Turquia), com cerca de 2.700 km de extensão.
Ao longo dessa rota, havia postos de descanso com cavalos frescos e mensageiros prontos para continuar a viagem. Um sistema de couriers tão eficiente que, segundo o historiador grego Heródoto, “nenhum outro ser vivo viaja mais rápido que esses mensageiros persas”. Essa rede permitia que mensagens cruzassem o império em poucos dias, algo notável para a época. Era, de certo modo, um antecessor do serviço postal moderno.
Rivalidade com os árabes
Como explica Samy Adghirni, em seu livro “Os Iranianos”(2015, Ed. Contexto), nós não só temos que diferenciar bem árabes de iranianos, como entender também que esses povos possuem, hoje, uma grande richa. “Os inimigos históricos dos persas são os árabes, que consideram bárbaros. (…) Muitos iranianos acreditam que sua civilização entrou em decadência a partir da invasão islâmica no século VII, que impôs uma religião revelada em árabe e disseminada por árabes, em detrimento da cultura persa”.
Segundo ainda o pesquisador brasileiro, que foi correspondente da Folha de S. Paulo no Irã, “mesmo sob o atual sistema de governo teocrático xiita, a herança ancestral do Irã pulsa no dia a dia do país. A ligação com o passado pré-islâmico continua tão forte que o Irã funciona até hoje com a base no calendário persa”.
Há alguns anos, em entrevista ao Café História, Adghirni contou uma história que ilustra bem essa tensão entre os dois povos. Logo ao chegar a Teerã, ele, que não falava uma palavra de farse, tentou se comunicar com um taxista, recorrendo a algumas palavras em árabe, na esperança de facilitar o diálogo. A reação foi imediata: o motorista se irritou profundamente, exigiu que ele descesse do carro e, mesmo sem falar bem inglês, deixou claro que aquela língua não era bem-vinda ali. Adghirni não chegou a sair do táxi, mas entendeu a mensagem com clareza.
Diferenças
A diferença linguística é um dos principais marcadores entre os dois povos. A língua oficial do Irã é o persa (também chamado de farsi), um idioma que pertence à família indo-europeia e tem uma estrutura gramatical muito diferente do árabe, que é uma língua semítica. Apesar de o persa ter incorporado muitos vocábulos árabes ao longo dos séculos — especialmente após a islamização do Irã no século VII —, ele mantém características próprias e um alfabeto adaptado, que se escreve da direita para a esquerda, como o árabe, mas com letras e sons distintos.
No plano religioso, há também distinções importantes. Embora a maioria dos iranianos seja muçulmana, o Islã no Irã é majoritariamente xiita, enquanto a maioria dos países árabes segue a vertente sunita. Essa diferença teve e ainda tem impacto profundo nas dinâmicas políticas e culturais do Oriente Médio.
Culturalmente, o Irã preserva tradições muito próprias, como o festival de Nowruz, o Ano Novo persa, celebrado desde tempos pré-islâmicos. A poesia persa, a arquitetura, a culinária e as artes também diferem significativamente das tradições árabes.
Portanto, embora compartilhem a religião islâmica e certos traços regionais, iranianos e árabes são povos distintos, com histórias, línguas e identidades próprias. Reconhecer essa diferença é fundamental para compreender melhor a complexidade do Oriente Médio.
Por que, então, a confusão?
A confusão comum no Brasil entre iranianos e árabes tem raízes em estereótipos generalizantes e no desconhecimento geográfico e histórico da região do Oriente Médio. Muitos brasileiros associam erroneamente qualquer país de maioria muçulmana ou que use o alfabeto árabe a uma identidade “árabe”, sem distinguir entre os diversos povos, línguas e culturas que compõem a região.
A mídia e o cinema ocidentais também contribuem para esse equívoco ao retratar o Oriente Médio como um bloco homogêneo, frequentemente vinculado a conflitos e radicalismo islâmico, apagando nuances étnicas e culturais.
Além disso, o ensino de geografia e história internacional nas escolas brasileiras costuma ser superficial, dificultando a formação de uma visão crítica e informada sobre o tema. Essa simplificação leva à ideia equivocada de que todos os povos do Oriente Médio compartilham uma mesma identidade, quando, na verdade, o Irã (persa) e os países árabes possuem histórias, línguas e tradições profundamente diferentes.
Nota:
● Artigo foi publicado em 19 de junho de 2025 por Café História. Disponível no link:
Veja mais em:
https://youtu.be/gCcHuuKm-SU?si=qGWY1oh3CcQQh8IO
https://youtu.be/848UcadzMeY?si=OsbF-FYWwfBnnPaI
https://youtu.be/uFZMpMdiKlE?si=_IQ0rRa0HlFzBmGF
https://youtu.be/U3dmZpFEyV0?si=ex5uJTfMMTwmuFge
Imagem: Mulheres iranianas, 2019. Foto: Hadi Yazdi Aznaveh, via Unplash.
● Se este conteúdo lhe foi útil ou o fez refletir, considere apoiar espontaneamente este espaço de História e Memória. Cada contribuição ajuda no desenvolvimento do blog. Chave PIX: oogrodahistoria@gmail.com
Muito obrigado, com apreço.
Ótimo texto. Esclarecedor.
ResponderExcluir