Série crônicas: Cenas cariocas, O Rio como ele era! Avenida Atlântica: Antes da extinção dos discretos
Avenida Atlântica: Antes da extinção dos discretos
A fotografia — esta senhora discreta que vos apresento — flagrou a Avenida Atlântica em Copacabana nos tempos de inocência, quando o Rio de Janeiro ainda fingia ser uma cidade e não um estúdio de gravação ambulante.
Reparem: não há poses, não há sorrisos ensaiados, não há ninguém segurando uma água de coco como se fosse cetro real. A praia, tímida, estendia sua areia com modéstia de camponesa; o calçadão, bordado em pedras, era apenas caminho, e não tapete para estrelas em ascensão.
Desfilavam por ali personagens de carne e osso: senhores de paletó desafiando o calor com teimosia patética; senhoras de vestidos compridos, que deslizavam como barcos à vela; crianças sujando-se de areia sem a menor preocupação estética. Os vendedores, humildes, ofertavam cocadas e sonhos, em vez de "experiências gourmetizadas".
Amavam-se sem pressa, sem filtros, sem necessidade de comentários anônimos. Um olhar bastava; uma mão tímida que se estendia, e pronto: estavam casados de alma. Não havia a pressão de registrar o momento para 500 desconhecidos ou de obter aprovação instantânea via curtidas.
Avancemos, então, para o século XXI: o cenário permanece, o espírito fugiu. O calçadão, coitado, virou passarela de social personas, aquelas entidades que caminham como faraós depilados, olhos cravados no celular, preocupadas não em ver o mar, mas em serem vistas vendo o mar.
E o amor? Ah, o amor! Agora precisa de quinze selfies, três stories e um reels de 30 segundos para começar. Se durar mais do que a bateria do celular, já é considerado caso raro.
Os vendedores, herdeiros tristes dos ambulantes antigos, oferecem agora pacotes de "experiência carioca" a preços de hotel cinco estrelas. E as crianças, coitadas, trocam castelos de areia por performances improvisadas para as câmeras dos pais.
A Avenida Atlântica ainda sorri, mas é sorriso de resignação. De quem sabe que já foi musa e agora é apenas cenário para um teatro de vaidades digitais.
Quem dera o mar pudesse engolir, de uma só vez, toda essa gente apressada em existir para os outros — e devolvê-los apenas quando tivessem aprendido novamente a caminhar sem serem vistos.
●Imagem: Avenida Atlântica, Praia de Copacabana década de 1930. Autor desconhecido.
● Clique no link abaixo e ouça a música "Sábado en Copacabana" na voz da cantora e atriz espanhola, Sara Montiel. A canção ilustra essa crônica:
https://youtu.be/DMOw2ySncTo?si=X4R_2xkZqlSQGW0v
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