Série crônicas: Cenas cariocas, o Rio como ele era! O pecado subia de elevador
Este blog — que não pretende ser tratado acadêmico nem almanaque de curiosidades — oferece-lhe, com modéstia e alguma audácia, uma coleção de crônicas breves, todas inspiradas em retratos do outrora. São imagens, mas bem poderiam ser fantasmas. Há nelas uma ironia muda, um suspiro escondido, uma rua que já não é rua, mas memória.
Cada texto é um copo d’água do tempo, servido com duas pedras de sarcasmo e uma rodela de saudade. Há figuras conhecidas e outras anônimas, todas fixadas na eternidade de um instante que já passou. O que ofereço é apenas um olhar torto, talvez melancólico, talvez maroto, sobre aquilo que chamamos de “Rio Antigo” — e que, se olharmos bem, ainda nos espia pelas frestas da modernidade.
Leitor curioso, que tenhas olhos não apenas para o que foi, mas para o que permanece sob o disfarce do presente. Boa leitura!
O pecado subia de elevador
No coração pulsante da Avenida Rio Branco, havia o Palace Hotel, um daqueles edifícios tão tradicionais quanto as fofocas e os colarinhos engomados do Rio Antigo. Mas entre suas paredes elegantes e discretas, escondia-se um segredo sórdido e com o perfume agridoce de proibido: dois amantes que se encontravam ali como se o mundo acabasse a cada final de tarde. Ele, um sujeito de modos finos, um rosto que até ganhava respeito com o bigode bem aparado, mas casado. Ela, uma figura felina, de olhos que sabiam do pecado, mas jamais o confessariam. E ambos, veja bem, tinham a audácia de acreditar na eternidade de sua mentira.
Subiam ao quarto sempre com o mesmo cuidado, cronometrando a respiração e o silêncio. Era um espetáculo particular, desses que o próprio dramaturgo aplaudiria: o ritual de subir as escadas sem deixar o coração na portaria. O Palace Hotel era um templo para esses encontros, mais discreto que igreja e mais devoto que altar. Não havia troca de olhares indiscretos ou sussurros suspeitos. Afinal, o Palace era conivente, cúmplice, um anfitrião que jamais traía a própria reputação.
E assim, noite após noite, eles se consumiam como labaredas de uma vela, sem perceber que o brilho ardente do affair já estava se esgotando. Porque, como dizia o velho escritor, paixão clandestina é veneno que só mata devagar. E eles, burros de tão ingênuos, acreditavam piamente que aquele hotel abafaria todos os rumores, que seria eternamente o guardião mudo de suas escapadas.
Mas foi justamente na vez que ela esqueceu o chapéu no cabide do quarto – um detalhe tão insignificante quanto comprometedora é uma mancha de batom – que a coisa toda desandou. O hotel já não segurava mais os risos abafados dos corredores, e os sussurros do elevador já não escondiam o riso irônico do destino.
O Palace, outrora cúmplice leal, tornou-se o palco do escândalo. Ela sumiu como uma sombra sem nome, ele tentou salvar a pele com desculpas que nem ele acreditava. O Palace Hotel, como um bom anfitrião, lavou as mãos, sacudiu a poeira e recebeu o próximo casal – porque, afinal, o Rio, assim como o amor ilícito, nunca descansa.
● Clique no link abaixo e ouça a música "Matriz ou Filial", composição de Lupicínio Rodrigues na voz inconfundível do Jamelão. A canção ilustra essa crônica:
https://youtu.be/J26WSHAVbkM?si=eFeYWmmoZVcl67Rs
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