Série crônicas: Cenas cariocas, o Rio como ele era! A telefonista

 


Não é raro que, em tardes de lassidão, eu me veja a conversar com fotografias. Sim, leitor, com fotografias. Essas senhoras silenciosas e vaidosas que, embora sem fala, dizem muito mais que muitos homens. E que mais dizem quando são do Rio antigo, essa cidade que já foi menina com trança, senhora com sombrinha e agora desfila, em certos trechos, como viúva de si mesma.

Este blog — que não pretende ser tratado acadêmico nem almanaque de curiosidades — oferece-lhe, com modéstia e alguma audácia, uma coleção de crônicas breves, todas inspiradas em retratos do outrora. São imagens, mas bem poderiam ser fantasmas. Há nelas uma ironia muda, um suspiro escondido, uma rua que já não é rua, mas memória.

Cada texto é um copo d’água do tempo, servido com duas pedras de sarcasmo e uma rodela de saudade. Há figuras conhecidas e outras anônimas, todas fixadas na eternidade de um instante que já passou. O que ofereço é apenas um olhar torto, talvez melancólico, talvez maroto, sobre aquilo que chamamos de “Rio Antigo” — e que, se olharmos bem, ainda nos espia pelas frestas da modernidade.

Leitor curioso, que tenhas olhos não apenas para o que foi, mas para o que permanece sob o disfarce do presente. Boa leitura!


A telefonista

Não sei se a eternidade ou a imprensa dará conta de preservar a glória das telefonistas. Sim, essas moças — de fone à cabeça e paciência no semblante — que, com a pontualidade de uma locomotiva e a discrição de uma confidente, ligavam destinos com um gesto de dedos finos. Entre a beleza tropical do Rio de Janeiro e os chiados dos fios, erguia-se uma rede invisível de conversas, promessas e broncas.

Foi-se o tempo do bilhete perfumado e da visita anunciada pelo cocheiro. Com o telefone, essa engenhoca de fios e mistério, a urgência ganhou voz. E que voz! A moça da central, entre um “alô?” e outro, ouvia mais da cidade do que muito cronista que vos escreve. Dela, partiam ligações para o hospital aflito, para a delegacia apressada, e — não raro — para o coração agitado de um amante possessivo.

Graham Bell, o inventor, não calculava que, do outro lado do oceano, um imperador de barbas brancas e ideias novas se encantaria com o feito. Conta-se — e que bela história! — que Dom Pedro II, em 1876, na Exposição da Filadélfia, escutou a voz que vinha de longe e exclamou: “Meu Deus, isso fala!”. O soberano encomendou o aparelho, e com isso o Brasil deu o primeiro passo rumo ao futuro... sem ainda saber como pagar a conta.

Mas deixemos os reis e fiquemos com as rainhas. Sim, as telefonistas. Elas não faziam discursos, mas conectavam ministros. Não escreviam romances, mas uniam corações. Eram pontes de voz entre mundos. Seus ouvidos escutaram desde segredos de alcova até avisos de prisão. E, no entanto, guardaram tudo — como um vigário no confessionário.

A elas, que ligaram a cidade com mais zelo do que o bonde e mais eficiência do que o carteiro, rendo este pequeno louvor. Se a modernidade agora faz chamadas sem fio, sem fio também são as memórias — e estas, sim, permanecem.

Salve, digo eu às telefonistas! Pois se hoje falamos com o mundo, foi porque, um dia, elas nos ensinaram a escutar.


●Imagem: Malta, Augusto. Companhia Telefônica Brasileira - sala de operação telefônica, 1921. Rio de Janeiro, Estação Jardim, RJ, Brasil Instituto Moreira Salles.


● Clique no link abaixo e ouça a música "Telefonista", composição de David Nasser e Francisco Alves na voz do Nelson Gonçalves. A canção ilustra essa crônica:

https://youtu.be/0m_wPCH5PAQ?si=1tsEtr-8IAt2-5y5


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Muito obrigado, com apreço.

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