Série crônicas: Cenas cariocas, o Rio como ele era! A capital que se foi, a vedete que ficou
A capital que se foi, a vedete que ficou
Era 1960 e o Rio de Janeiro vivia sua bossa nova particular, um compasso de violão do João Gilberto que se misturava à maresia. O presidente Juscelino Kubitschek, que também era bossa nova, homem de sorriso fácil e promessa difícil, conduzia o país com o lema de fazer cinquenta anos em cinco — e, de quebra, tirar a capital do seu leito natural, como quem retira um quadro da parede para pendurá-lo no quarto vizinho.
Brasília surgiu no cerrado como uma epifania de concreto e curvas sensuais de Oscar Niemeyer, todas guardadas sob o olhar meticuloso de Lúcio Costa, que fiscalizava a prancheta como um bedel de colégio fiscaliza a algazarra. A novidade era grandiosa, mas, cá entre nós, tão sem praia quanto um domingo sem feijoada.
Ao Rio restava a perda do título de capital, mas não da majestade. São Sebastião, o santo padroeiro, talvez tenha torcido o nariz para tal desfeita, mas a urbe manteve o rebolado de vedete que, mesmo sem coroa, reina pela graça natural. Nenhum arquiteto, por mais genial, poderia desenhar a curva da Praia de Copacabana ou a insolência rochosa do Pão de Açúcar.
Nessa manhã, deixei-me levar por esse cenário. Parei meu Chevrolet Stylemaster — automóvel que fazia mais barulho de status que de motor — na Avenida Beira Mar, de frente para o obelisco da Rio Branco. Mirei o Pão de Açúcar, que me fitava com aquela altivez de monumento que sabe o próprio valor, e prometi-lhe amor eterno, como quem promete fidelidade a uma musa ingrata.
Naquele instante, senti-me Vinicius de Moraes, com a alma entre o copo e o verso. Declarei, com a solenidade de um apaixonado e a ironia de quem sabe ser correspondido:
Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus resolvem se encontrar
Ai, que bom que isso é, meu Deus
Que frio que me dá o encontro desse olhar...
O Rio não respondeu, mas piscou-me em reflexos dourados sobre a Baía. E entendi que Brasília poderia ter ministérios, mas o Rio, ah, o Rio tinha a eternidade de um pôr do sol em Ipanema.
E eternidade, meus caros, não se transfere por decreto ou pelo concreto.
● Imagem: Medeiros, José. Avenida Beira Mar, Centro, Rio de Janeiro, 1960. Instituto Moreira Salles
● Clique no link abaixo e ouça a canção "Wave" do Tom Jobim na voz inconfundível de João Gilberto. A música ilustra essa crônica:
https://youtu.be/2RCnbOzCj1I?si=U9b60K-ETDi0Mn6w
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Muito obrigado, com apreço.
Excelente!!!
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